08
de dezembro de 2012 | N° 17277
CLÁUDIA
LAITANO
A boa
mentira
O
melhor conselho que recebi quando estava grávida já não lembro quem deu, mas
tenho repetido como um mantra nos últimos 14 anos. Alguma mãe mais sábia e
experiente me disse apenas isso: “Confia no teu instinto”.
Seguir
os próprios instintos obviamente não garante que se vá acertar sempre, mas
assinala a importância de conceder aos pais a liberdade para criar seus filhos
como lhes parece mais adequado e não conforme a cartilha que tias, vizinhas e
amigas bem-intencionadas tão graciosamente ditam a partir do momento em que
alguém anuncia que está grávida.
Uma
das situações em que segui meu instinto – mais ou menos contra a corrente
dominante – diz respeito a esta época do ano: nunca consegui mentir a respeito
do Papai Noel. Pronto, falei.
Especialistas
em psicologia infantil garantem que por volta dos oito anos, quando a maioria
já percebeu que aquele Papai Noel magricelo que distribui presentes todos os
anos é, na verdade, o tio Oscar metido em um traje ridiculamente inapropriado
para o calorão de dezembro, as crianças já são capazes de distinguir dois tipos
de mentiras contadas pelos adultos.
A
“má mentira” é aquela que os pais contam para fugir de uma responsabilidade
(“Não vamos ao Marina Park hoje, meu bem, porque eles fecham no dia de São
Benedito”) ou de uma culpa (“Não fui na festinha na sua escola porque pegou
fogo no escritório.”) A “boa mentira” é a que os pais inventam não para livrar
a própria barra, mas para alimentar a imaginação dos pequenos – como no caso
das histórias de Natal. A boa mentira ensina a fantasiar, a má mentira ensina a
mentir.
OK, bacana,
os especialistas apenas confirmaram o que todo mundo já sabia: ninguém precisa
sentir-se culpado por inventar histórias sobre renas, trenós e duendes. Mas,
quando minha filha me olhou com aquela confiança absoluta que apenas as
crianças pequenas têm nos pais e me perguntou como, afinal, era possível que o
Papai Noel soubesse, lá no Polo Norte, se ela se comportava bem aqui em Porto
Alegre, não consegui recitar o texto recomendado pelo senso comum ou pelas
propagandas de refrigerante.
Ali,
diante de mim, estava uma nova navegante esforçando-se para entender como as
coisas funcionam neste mundo estranho em que acabara de chegar. Uma aprendiz de
cientista, testando hipóteses e pedindo apoio dos mais velhos para prosseguir
decifrando outros, maiores, mistérios. Era justo reconhecer o seu esforço:
“Não, não existem câmeras escondidas pela casa, e a única pessoa que sabe o que
se passa na sua cabeça é você”.
Uma
das graças da “boa mentira” é saber que ela nunca dura para sempre. É um jogo
de esconde-esconde em que as crianças sempre ganham. Alguns pais curtem
prolongar a brincadeira – e eles obviamente não estão errados. Outros preferem
saborear a satisfação de ver uma criança perceber que há graça e encantamento
não apenas no que se inventa, mas também no que se descobre através das
magníficas e inesgotáveis estratégias da razão.
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