03
de dezembro de 2012 | N° 17272
LUIZ
ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Contos familiares
“Familiares”,
no caso do novo livro de Cíntia Moscovich, Essa Coisa Brilhante que É a Chuva, (Ed.
Record), significa o núcleo dos contos que o compõem. Quase todos discutem as
relações entre pais e filhos, entre irmãos, entre marido e mulher. Aí podemos
incluir, e com vigor, os gatos e os cães, que são tratados com generosa atenção
parental. Nesse ponto, Cíntia mantém-se fiel a uma das mais fortes vertentes de
sua literatura, que inclui, à mistura, a condição judaica.
Se há
fidelidade às temáticas, o texto apresenta-se mais essencial e direto, o que
corresponde a uma tendência contemporânea. Há algumas frases longas e
complexas, que apenas destacam as outras, em muito maior número. Mas, desde
sempre, e em todos os casos, a autora apresenta um exuberante e colorido léxico.
Tudo isso faz com que Essa Coisa Brilhante que É a Chuva seja, desde já – mas não
só – um livro agradável de ler, em que os olhos não precisam deter-se em
armadilhas verbais.
Nós
nos reconhecemos nas mil e uma situações diárias, e esse é o primeiro passo
para a imediata adesão. Reconhecemo-nos naqueles filhos mimados, naqueles
terrores perante a morte, naqueles reflexos no espelho, no desvelo com nossos
pets. É impossível não pensar: “Eu já vivi isso, mas nunca soube dizer”. Eis a
simples tarefa de um bom escritor, às vezes tão mitificada, até pelos próprios
escritores.
Falava-se
acima sobre a condição judaica; mas não se esperem contos apologéticos, ou pior:
condescendentes. Judeus, aqui, são representados em sua naturalidade humana, e
se algo fica é uma profunda ternura por essas personagens tão carentes ou, ao
contrário, com tanto para dar e compartilhar, quase ao ponto do excesso, como
as trapalhadas da mãe judia, esse tipo humano que se tornou lenda.
O
riso – melhor, o sorriso –, neste livro, é coisa fácil de ser encontrada. Ele
vai do cômico ao sutil e não se envergonha de aparecer numa literatura que é,
em geral, tão sisuda, ou épica, ou trágica. Isso confere um grande frescor aos
contos e embala sua leitura.
Cíntia
Moscovich vem construindo uma carreira sólida, coerente e, após um interregno
compreensível por quem conhece sua anterior situação pessoal e sobre a qual ela
não faz mistério, volta com um esmerado refinamento à ficção. Bom para seus
leitores, bom para ela mesma – e muitíssimo bom para nossa literatura.
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