09 de dezembro de 2012 |
N° 17278O
CÓDIGO DAVID | DAVID
COIMBRA
NA COVA DOS LEÕES
Já passei a mão no lombo de um
leão. Foi quando estive na África, na Copa de 2010. Era um filhote de leão, na
verdade. Um leãozinho. Mas se tratava de um bicho robusto, do tamanho de um
cachorro, e cheio de dentes dilacerantes. Ele estava numa área reservada para
filhotes no Parque dos Leões de Joanesburgo, uma espécie de creche de leões.
Nós, seres humanos, podíamos
entrar lá, se quiséssemos, mas isso ficava por nossa conta. No portão de
entrada havia uma placa bem grande lembrando que “leões são animais selvagens”
e que, se nós entrássemos naquele local, o parque não se responsabilizava pelo
que ocorreria.
Isso me deixou um pouco
apreensivo. Fiquei ainda mais ao saber que um cinegrafista da Globo foi afagar
um daqueles filhotes e o bicho, por algum motivo, se irritou e deu-lhe um tapa.
Foi um só, mas bastou para rasgar-lhe primeiro a calça jeans e depois a carne.
O cinegrafista foi para o hospital. Hoje ele deve andar pelo Rio contando que
foi atacado por um leão na África, sabe como são os cariocas.
Então, entrei no lugar meio
sestroso, observando os pequenos leões à distância segura. Havia dezenas deles,
espalhados preguiçosamente em grupos de três ou quatro. Irmãos, supus. Ou
primos. Encaravam nossa presença com indiferença felina. De qualquer forma, não
ia passar a mão em leão nenhum. Para quê? Mas todo mundo estava passando e
tirando fotos. Diziam:
– Passa a mão no leão! Passa a
mão no leão!
Suspirei, conformado. Não sairia
dali sendo chamado de covarde. Pedi para o fotógrafo Emerson Souza preparar a
máquina. Escolhi um leãozinho que me pareceu pacífico, deitado indolente sobre
uma pedra. Fui chegando perto. Mais perto. Mas não muito perto. Sentei ao lado
dele. Ele virou a cabeça e me olhou, piscando sem muito interesse. Levantei o
braço. Abri a mão. Pousei-a devagar no pelo do filhote. Esforcei-me para sorrir
para a foto. Retirei-a, rápido, e saí dali. Passar a mão em leão, francamente.
Pelo menos eu tinha a história para contar, que é o que estou fazendo agora.
Os devoradores de
homens
Mas por que venho lembrar essa
trepidante aventura animal num 9 de dezembro? Você já deve saber, todo mundo
sabe: porque, precisamente nessa data, um dos mais famosos leões da história
leonina de todos os tempos foi assassinado a tiros.
A história desse leão, e de um
amigo dele, foi contada naquele filme com o Val Kilmer e o Michael Douglas, “A
sombra e a escuridão”. Trata-se de um caso verídico. Passou-se no Quênia, que
fica a boa distância de Joanesburgo, lá em cima, na, digamos, base do Chifre da
África.
Na partilha que os europeus
fizeram da África, o Quênia coube aos ingleses. No fim do século 19, eles
decidiram cortar parte do país por uma ferrovia. Estavam construindo os trilhos
na região do Rio Tsavo, quando esses dois leões, chamados pelos nativos de
Sombra e Escuridão, começaram a atacar.
Se você vê National Geographic,
está ciente de que pessoas não são o prato preferido dos leões. Não, pessoas
são muito magras, com exceção de tipos como o Jô e a Lady Gaga depois que o pai
dela montou uma pizzaria. Assim, leões apreciam jantar tenros filhotes de
zebras e, muito mais, carnosos gnus. No entanto, Sombra e Escuridão
transformaram-se em devoradores de gente.
Desde aquela época, 1898, os
cientistas especulam acerca das razões dessa mudança de dieta. Uns acham que os
dois leões começaram a comer cadáveres insepultos de escravos e, depois disso,
adquiriram o gosto por carne humana. Outros acreditam que as feras tinham
problemas dentários, fazendo com que seus dentes doessem quando mordiam o duro
pescoço de uma girafa, optando, assim, por arrancar nacos de homens molinhos.
Seja qual for o motivo, eles
passaram o ano comendo os trabalhadores da ferrovia. Eram leões gigantescos,
maiores do que o normal, com três metros de comprimento. Leões sem juba, ao contrário
do que mostra o filme. E o mais estranho: agiam coordenadamente, atacando em
dupla, sempre à noite, arrastando os homens para uma caverna e só então
jantando-os.
Sombra e Escuridão se repimparam
com dezenas de pessoas. Há quem diga que foram 140 mortos. Os quenianos juravam
que eram demônios e, desesperados, interromperam o trabalho. Aí entrou em ação
o coronel John Patterson, interpretado por Val Kilmer no filme. Ele era um
daqueles britânicos valentes do século 19.
Depois de inúmeras tentativas e
de quase servir de repasto de leão, desferiu um certeiro tiro de rifle num dos
integrantes da dupla e o matou, no dia 9 de dezembro. No fim do ano, matou o
outro membro do par. Concluiu a ferrovia em três meses, escreveu livro a
respeito, tornou-se herói dos britânicos e dos africanos. Não meu. Eu, aqui,
prefiro a Sombra e a Escuridão.
Joanesburgo
Em Joanesburgo, os brancos sentem
medo dos negros, e os negros sentem medo dos nigerianos. O medo dos brancos
pode ser resumido pela história da Noite da Faca. Que é a seguinte: quando o
nonagenário Nelson Mandela morrer, os negros sairão às ruas para enfim se
vingar pelos anos de apartheid. Todos eles estarão armados de facas, cutelos,
punhais e adagas. Quando encontrarem um branco, qualquer branco, conhecido ou
desconhecido, irão retalhá-lo como se fosse um boi de açougue. Terrível.
Já os negros sul-africanos sentem
medo dos nigerianos porque as gangues mais perigosas do país são formadas por
eles. A Nigéria fica tão distante da África do Sul quanto o Quênia, só que o
Quênia está a leste e a Nigéria a oeste do continente. Muitos dos nigerianos
são da etnia dos ibos.
Esses ibos uma vez fundaram o
estado de Biafra, que, aliás, também é nome daquele sujeito que cantava “voar,
voar, subir, subir.” Outra etnia forte da Nigéria é a dos iorubás, os mesmos
que vieram (à força, evidentemente) para a Bahia.
É fácil identificar um nigeriano
em Joanesburgo. Eles são altos, usam colares e adereços brilhantes, estão
debaixo de grandes chapéus e se reúnem em grupos nas esquinas. Ficam observando
prováveis vítimas. O maior medo de uma mulher africana é ser sequestrada por
uma gangue de nigerianos. Eles capturam uma mulher na sexta, ocupam-se dela no
sábado e no domingo, e, na segunda, ou a executam ou a soltam contaminada por
HIV.
Joanesburgo é uma cidade dura.
Melhor visitar outros lugares da África do Sul.
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