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sábado, 25 de setembro de 2010
25 de setembro de 2010 | N° 16469
NILSON SOUZA
Campos de sonhos
O primeiro jogador de futebol de verdade que conheci chamava-se Darlã e tinha a orelha esquerda encolhida por uma queimadura. Nunca vou esquecer aquele rosto. Foi nos Eucaliptos, esse estádio que o Internacional acaba de vender e que em breve será transformado num conjunto residencial.
Juntamente com outros meninos da minha idade, tinha assistido ao treino e estávamos rondando o vestiário quando aquele jovem negro, ainda suado pelo exercício recém concluído, colocou a cabeça numa janela e me escolheu aleatoriamente:
– Guri, vai ali no bar e busca uma Crush pra mim.
Sem nunca ter me visto, me entregou o dinheiro do refrigerante. Acho que eu devia ter uma cara honesta – ou então ele confiava no próprio prestígio, pois os atletas profissionais sabiam que a meninada os idolatrava. Atravessei a rua correndo e voltei logo com a bebida, uma espécie de laranjada, que vinha numa garrafa de vidro com ranhuras. Anos depois, no mesmo local, acompanhei como jornalista esportivo a mudança do Inter para o Beira-Rio e o abandono sistemático do velho estádio.
Também frequentei o Olímpico na adolescência. Fui aprovado numa peneira, uma espécie de teste coletivo para candidatos a jogador. Dei um passe de três dedos e o selecionador parou o treino, dizendo que eu já podia sair e esperar ao lado do campo porque tinha sido aprovado.
Os outros dois meninos do meu bairro, que me acompanhavam na aventura, não tiveram a mesma sorte. Morávamos na Zona Norte, do outro lado da cidade. Voltei aos estádios algumas vezes, de bonde, solitário, carregando um par de chuteiras velhas, sem muito entusiasmo para treinar entre desconhecidos.
O que era diversão passou a ser sacrifício e acabei desistindo da meteórica carreira. Acho que nunca mais acertei um passe de três dedos, mas o Olímpico é até hoje uma lembrança doce daquele momento mágico da minha vida. Também lá voltei muitas vezes, para exercer meu ofício de jornalista.
Agora, o estádio do Grêmio também será demolido, para dar lugar a blocos de apartamentos.
A Azenha e o Menino Deus não serão mais os mesmos sem os seus templos do futebol. Imagino que, num futuro não muito distante, meninos de apartamento correrão atrás da bola no playground dos seus prédios, sem saber que pisam em locais que já foram campos de sonhos para muitas gerações de garotos. Alguns transformaram o brinquedo em profissão.
Outros, como este escriba, guardam daquela época apenas algumas lembranças enfumaçadas pelo tempo.
Como o Darlã – que tinha jeito de craque mas nunca foi; o bonde – que chacoalhava a solidão dos passageiros; e a Crush – que às vezes continha pedaços de laranja.
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