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domingo, 5 de setembro de 2010
05 de setembro de 2010 | N° 16449
DAVID COIMBRA
Alice aos 17 anos
Quinze anos de idade, e a Alice já tinha seios. Não peito; seios. Redondos e bem formados. Bons seios, é o que posso dizer sobre aqueles dois. Assim municiada, a Alice humilhava as outras gurias lá do IAPI e redondezas. Ficava se exibindo com seus seios de mulher feita. Vestia umas blusinhas leves como a consciência de uma bandeirante, umas camisas de decote profundo como a filosofia de Spinoza. As outras ficavam frustradas, via-se.
Na época, surpreendeu-me que o gênero feminino conferisse tanta importância ao volume dos seios. Depois compreendi a óbvia lógica da coisa: não existe nada mais feminil no corpo de uma mulher do que os seios, nada que mais a diferencie dos homens.
Já eu, o que eu mais olhava na Alice era seu lindo par de pernas cor de chocolate ao leite. Ela usava um shortinho branco bem curto e andava ondulando pela Plínio dentro daquele shortinho, ela sorria com todos os dezenas de dentes brancos dela e me olhava com uns olhos pretos coruscantes e, um dia, sabe o que um dia ela me disse?
Vou contar o que ela me disse. Estávamos na calçada, num banquinho de pedra que havia lá. Ela fincou um pé número 36 sobre o banquinho, arrebitou o recheio traseiro do shortinho, apoiou a mão no joelho redondo e ciciou:
– Quando eu tiver 17 anos, quero tirar uma foto assim. Mas só de biquíni. Acho que vou ficar muito mais linda, quando tiver 17 anos...
Aquilo me deu uma agonia, mas uma agonia, mas uma agonia...
Conto de Alice para justificar minha motivação num jogo do Huracán contra um time lá do Partenon, no campo sagrado do Alim Pedro. É que Alice anunciou que ia assistir ao jogo. Era uma novidade bombardina. As gurias nunca assistiam aos nossos jogos. Pois aquele, não só a Alice avisou que iria assistir como disse que levaria junto a Josie, a Lisi e a Ariadne, olorosas flores do subúrbio porto-alegrense. Outra: havia rumores de que até Débora iria. Ficamos excitados. Débora, uma mulher proparoxítona, era ninguém menos do que a Rainha do IAPI.
Ela nunca nos dava muito assunto, nunca dava bola para ninguém do bairro, nunca participava das nossas festas e agora, imagine!, talvez fosse assistir ao nosso jogo! Seria um jogo especial, sim senhor.
No domingão, lá estávamos nós, prontos para o grande evento. Entramos em campo, o maior campo de várzea da cidade. Olhamos em volta. Nem sinal delas. No alambrado, aquela desolação. Só os mesmos parados atrás da tela, três ou quatro aposentados de pijama e um cara que não tinha um braço. Aquele cara sem braço sempre via os nossos jogos.
Paciência. O joguinho começou. Eu de ponta-direita recuado. Com dois minutos, dei um lançamento de 50 metros no pé direito do Jorge Barnabé. Quase gol. Mais um tanto e apliquei meu famoso drible da levantadinha em dois adversários, um, depois outro. Ergui os olhos, fiz pontaria e cruzei na cabeça do Diana: testaço, bola no travessão.
Cinco minutos se passaram e recebi no bico da área. Vi o goleiro adiantado e mandei de revesgueio. Três dedos, manja? A bola saiu em curva de fora para dentro, fazendo dzdzdzdz, saiu que era uma folha seca do Didi. Ia aterrissar dentro do gol, mas o goleirão meteu-lhe um derradeiro dedaço para escanteio. Cara, eu estava fazendo a partida da minha vida! Toda a turma me cumprimentava, tudo ia muito bem, até que alguém falou:
– São elas!
Olhamos para a lateral. Era verdade. Lá vinham as minas dentro de suas minissaias, a Alice à frente, sorrindinho, Lisi, Josie e Ariadne levitando como escudeiras e, mais atrás, em passo calculadamente lento e imperial, Débora, a Proparoxítona.
Nesse instante, a bola chegou ao meu pé e errei o primeiro passe. Aquilo me desconcertou. Vinha tão bem... Pensei que meu erro talvez tivesse decepcionado Alice. Lá veio a bola outra vez e outra vez errei. Bãtzgrellklingstonwolfrem! Será que ouvi risadinhas vindas do alambrado? Olhei para lá.
Débora, a Proparoxítona, balançava a cabeça criticamente. Uma crítica... à minha atuação? Senti que corava. Minha respiração se alterou. Errei de novo. E de novo. E de novo. Não consegui mais acertar.
Aquele que seria o melhor jogo da minha vida terminou sendo o pior. Tenho a impressão de que Débora, a Proparoxítona, passou a me olhar com ainda mais desprezo depois daquele domingo.
E nunca consegui ver a foto de Alice aos 17 anos, só de biquíni, o pezinho 36 apoiado no banco de pedra. Que lástima. Uma torcida pode acabar com um craque.
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