sexta-feira, 10 de setembro de 2010



10 de setembro de 2010 | N° 16454
DAVID COIMBRA


O bom uso do tomate

Não consigo imaginar a vida sem tomate. Não pelo tomate em si, mas por seus nobres derivados, os molhos vermelhos, densos, olorosos, que dão alma e sabor às massas.

Ainda hoje há quem se valha do tomate tão somente como o fruto que é. Tomam-no com as mãos nuas e desferem-lhe dentadas vulgares tais quais desfeririam numa... maçã. Bárbaros. Coreanos fazem assim. Tomate, os coreanos não o põem nem nas saladas. Não passa de uma reles fruta que se consome crua, sem adereços ou solenidade. Bárbaros, bárbaros.

Inexplicavelmente, a Humanidade sobreviveu milênios sem usufruir de tudo o que o tomate pode propiciar. Só no século 16 é que os napolitanos compreenderam suas possibilidades. O tomate mal havia chegado das Américas.

Por essa época, os italianos do sul tinham o hábito de comer um pão espesso, mais parecido com uma torta, a que davam o nome de picea. Um dia, algum cozinheiro napolitano mais ousado temperou a crosta da picea com sal, azeite de oliva e especiarias e, sobre essa fina camada de tempero, espalhou pedaços mínimos de tomate. A seguir, levou o conjunto ao forno. Presto! A pizza acabava de ser inventada.

Outro produto das Américas sensivelmente melhorado pelos europeus foi a batata. Atribui-se ao cruel Francisco Pizarro, o devastador do império inca, a importação das primeiríssimas batatas pelo Velho Continente, mas o nome pelo qual o tubérculo se consagrou é obra de um inglês, o pirata Francis Drake.

Ocorre que, em meados do século 16, Drake aportou em algum ponto da América Central e seus marinheiros travaram bem-sucedidos contatos com os nativos. Tão bem-sucedidos, que um deles namorou a filha do chefe, uma linda jovem chamada “Potato”. Quando os ingleses anunciaram que iam partir, o chefe ergueu o braço.

– Peraí – protestou, apontando para o marujo sedutor. – Aquele lá vai ter que se casar com a minha filha.

Drake disse claro, claro. Mas tinha um plano em mente: à noite, reuniu seus homens e, à sorrelfa, embarcou todos nos navios e fez-se ao mar. Os índios, percebendo a fuga pusilânime, correram atrás deles, atirando-lhes lanças e flechas.

Terminada a munição, o jeito foi jogar batatas. Foram essas que Drake, ao chegar à Velha Álbion, assou e serviu a ninguém menos do que Elizabeth I, a chamada Rainha Virgem, que, apesar do apodo, era amante dele. Durante o banquete, deliciada, Beth perguntou qual era o nome da iguaria. Drake, piscando para o marinheiro amigo que salvara do casamento, respondeu:

– Potato.

Não é uma beleza de história intercontinental? São mesmo muito benéficas as trocas entre essas tão diferentes partes do mundo. Também das Américas é o chocolate, sublimado pelos suíços. E o milho, que originalmente era pequeninho, do tamanho de um polegar.

E o feijão, a abóbora, o tabaco, a pimenta. O aipim, codinome mandioca, é brasileiríssimo. A manga, africana.

O eucalipto, australiano. Já os europeus trouxeram para as Américas um animal que aqui havia surgido, mas que fora extinto durante a Era Glacial: o cavalo. Além da vaca, do porco, da cabra e até o meigo coelho.

Agora me diga: como é que alguém ainda pode ser contra a globalização?

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