sexta-feira, 3 de setembro de 2010



03 de setembro de 2010 | N° 16447
DAVID COIMBRA


Quando chega setembro

Sempre que vou ao Doutor Ramão para fazer o que ele chama meigamente de “profilaxiazinha”, juro-lhe que escovo os dentes depois de cada expresso ingerido, sem falha. Ele parece não acreditar, mas é verdade. Pode ser o mais ralo dos cafezinhos, não importa: não começo novo parágrafo sem antes escovar os dentes com fúria higiênica.

Seis cafés, seis escovadas. Mais a de quando desperto, mais as três que se seguem às três refeições diárias e mais uma antes de dormir, são, no mínimo, 11 escovadas de dentes em 24 horas. Não existe molar mais limpo na capital de todos os gaúchos.

Numa dessas, estava em frente à pia do banheiro do jornal, espuma branca transbordando boca afora, quando um velho colega jornalista entrou, observou-me em ação, suspirou e, enfim, teceu o seguinte comentário:

– Essa nova geração escova os dentes...

Fiquei um pouco desconcertado. Tratava-se de um inimigo da higiene bucal? Mais tarde, refletindo a respeito, compreendi. A necessidade de escovar os dentes depois de cada mínima refeição é algo novo, é algo que teve de ser ensinado e aprendido. Testemunham-no os dentes precários de quem foi jovem nos anos 70.

Aí está: a cada dia, as pessoas têm de aprender coisas novas. A vida nunca está pronta, está sempre em transformação. Cansa. Um jeito de viver estava funcionando razoavelmente bem durante tanto tempo, por que há de se mudar? Por que o tempo de aprendizado nunca acaba? Todos os dias, surge algo novo e desconhecido.

Qual é mesmo a melhor forma de escutar música? Sei que meus discos e CDs são obsoletos, mas o MP3 parece que também já o é. Não é? Alguém precisa me ensinar a MELHOR E DEFINITIVA forma de escutar música.

Quero aprender. Não posso deixar que o mundo tome muita distância de mim. Em alguns quesitos, sei que já fui ultrapassado irremediavelmente. Devia ter aprendido a tocar um instrumento, por exemplo. Piano.

Queria poder impressionar a turma tocando Bach, mas me contentaria com o violão. Tocadores de violão são o sucesso das festas. Arrependo-me de não ter aprendido a tocar violão.

A sociedade também precisa aprender sem parar, ou fica para trás, fica congelada no passado. Nada contra o passado, óbvio. Ao contrário, conhecê-lo e cultivá-lo é importante. Faz com que a sociedade se conheça mais e, conhecendo-se mais, entenda o seu presente e saiba planejar o seu futuro. Mas aferrar-se à tradição e usá-la como uma forma de vida é atraso.

Quando setembro chega e o Estado ingressa a galope nas comemorações farrapas, meu sentimento é contraditório: experimento certa satisfação porque os gaúchos aparentemente se interessam por sua história e aparentemente se esforçam para compreendê-la, e certa preocupação porque alguns fazem dessa história um dogma e só conseguem olhar para trás.

É preciso saber o que existe lá atrás, sem deixar de olhar para frente. Quem sabe, entro naquele curso de violão, afinal.

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