Entrelacos

17 de setembro de 2010 | N° 16461
PAULO SANT’ANA

Corpo estendido no chão

Anteontem, eu caminhava pela Rua Uruguai, esquina 7 de Setembro, por volta do meio-dia, quando notei um alvoroço: quase à minha frente, um lotação do Jardim Planalto atropelou um homem que atravessava a faixa de segurança.

Corri até a pequena multidão que cercou o atropelado, ali estava também o lotação, cujo motorista não fugiu do local e deve ter assistido o atropelado.

Notei que o homem estendido no chão era um idoso, tinha várias manchas de sangue na camisa, conservava os olhos abertos mas denotava ser séria a sua situação de saúde, podendo-se até adivinhar que ia morrer, enquanto a ambulância não chegava.

Com um brigadiano já atendendo a ocorrência, entrei no lotação à procura do motorista. Eu queria perguntar a ele como tinha podido atropelar um pedestre na faixa de segurança.

Antes da minha pergunta, o motorista me disse: “Veja, seu Sant’Ana, em que desgraça me meti”.

Ainda acrescentou que uma camioneta Kombi o apertou, e ele, para não subir a calçada da Praça Montevidéu, atropelou o idoso.

Duas testemunhas oculares do atropelamento me disseram que era mentira do motorista do lotação, ele não foi apertado por ninguém e atropelou simplesmente o idoso.

Saí dali com uma certa náusea. Porque imaginei como ficariam os filhos, a mulher, os netos do idoso atropelado, quando soubessem do ocorrido. Pobres pessoas.

Mas, ao mesmo tempo me passou pela cabeça como reagiriam os filhos e a mulher, os parentes enfim do motorista autor do acidente, depois que vissem que seu marido e seu pai tivera a carteira de motorista apreendida, não podia trabalhar, teria de responder a um processo na Justiça, enfim a série de incomodações, uma tragédia pessoal.

Insistentemente pensei na sorte dos familiares da vítima e na família do motorista.

Foi aí que me ocorreu com maior clareza a extensão dos danos causados pelos acidentes de trânsito, que vão além das figuras dos autores e das vítimas e se estendem para seus familiares, obrigados depois das tragédias a conviver com a morte do ser querido ou com a mutilação dele, um vazio pela morte, uma dor permanente e profunda pela mutilação, uma série de complicações econômicas e pessoais, um abismo.

Eu sei que é muito difícil evitar-se que, entre milhões de veículos circulando pelo país, haja acidentes.

Mas bem que eles deveriam ser diminuídos, atenuados pela compenetração dos motoristas em ter cuidado ao dirigir, preservando as vidas e a integridade de outros motoristas e pedestres.

O trânsito tem de ser uma solução e uma facilitação de vida e não um canal para a morte ou para a dor.

Ali na esquina da Rua Uruguai com a 7 de Setembro, anteontem, eu senti toda a proporção dessa tragédia do trânsito que nos persegue.

A faixa de segurança para pedestres tem de ser sagrada, intocável, inviolável.

Não me sai da cabeça a imagem daquele idoso atropelado com várias manchas de sangue na camisa.

Que tristeza