sábado, 18 de setembro de 2010



18 de setembro de 2010 | N° 16462
CLÁUDIA LAITANO


Nulos

Somados, os votos em branco e nulos chegam a cerca de 5% do eleitorado, segundo pesquisa sobre a eleição presidencial divulgada na última quinta-feira. Parece pouco, mas se a gente pensar no gigantesco contingente de eleitores do Brasil, algo em torno de 135 milhões de pessoas, o número impressiona.

No meu círculo mais próximo de amizades, há mais pessoas votando nulo do que em qualquer um dos três candidatos que estão à frente nas pesquisas. Se dependesse dos meus amigos, o Cacareco podia ser o próximo presidente da República – se estivesse interessado.

Essa proximidade com tantas pessoas que pretendem anular o voto me fez pensar como seria interessante fazer uma radiografia dessa pequena, mas altamente motivada, fatia do eleitorado. Porque os votos nulos vêm de todos os matizes ideológicos e perfis – de alienados a revolucionários, de apáticos a anarquistas, de ingênuos a pragmáticos.

A urna eletrônica praticamente eliminou o voto nulo involuntário, aquele do eleitor que se atrapalhava na hora de marcar o voto. Quem anula o voto hoje está se manifestando – mesmo que nunca fiquemos sabendo a respeito do quê.

E quem são esses milhões de não eleitores? Há por certo a turma do tanto-faz, aqueles que se interessam tanto por política quanto eu pela tabela do Brasileirão, mas desconfio que esses não são maioria.

Quem não está nem aí tende a votar em qualquer um, mas vota. No grupo dos que votam nulo porque não se identificam com nenhum dos candidatos, há os que anulam eventualmente, quando calha de a nominata de candidatos limitar-se à cruz e à caldeirinha, e os que votam nulo por anos a fio, sejam quem forem os candidatos.

Uma das lendas urbanas popularizadas na internet é a de que se 50% ou mais dos votos forem anulados seria convocada uma nova eleição (o que não é verdade). Há, portanto, os que votam nulo movidos pela falsa crença de que podem fazer diferença – na remota eventualidade de tornarem-se maioria.

Mesmo os que sabem que não têm o poder de provocar uma nova eleição estão convictos de que anular o voto é marcar uma posição política “contra tudo isso que está aí”. Nessa categoria, há os céticos (nada vai mudar nunca) e os idealistas (quem sabe se todos dissermos que não estamos satisfeitos um dia tudo mude?).

Eu votei nulo uma única vez, numa eleição estilo “entre a cruz e a caldeirinha”, e não me arrependo. Em todas as outras, sempre que sinto a tentação de anular, sou tomada por uma culpa brutal e acabo escolhendo um candidato nem que seja por eliminação. Abster-se do voto seria, em muitos casos, mais confortável. Quem escolhe está sempre sujeito ao erro, enquanto o eleitor que vota nulo, de certa forma, não erra nunca. Negar o voto, olhando de cima a realidade imperfeita que a maioria legitima através do voto, talvez dê aos não eleitores a reconfortante ilusão de que estão fora “de tudo isso que está aí”.

Já os que votam, mesmo sem estarem completamente satisfeitos com seus candidatos, são aqueles que não conseguem evitar a sensação de que são inescapavelmente responsáveis nesse processo imperfeito, mas único, chamado democracia. Gostando ou não das opções do cardápio.

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