terça-feira, 7 de setembro de 2010



07 de setembro de 2010 | N° 16451
PAULO SANT’ANA


O fim do fumódromo

Há boatos insistentes de que vão acabar com o fumódromo de Zero Hora. Estes boatos só se cotejam com outro: o de que vão apenas mudar o local do fumódromo.

Seja o que decidirem os burocratas, que só decidem, enquanto nós, frequentadores assíduos do fumódromo, só pensamos, se optarem por acabar com o fumódromo, vai perder o nosso jornal.

Porque, mesmo não tendo nada contra os não fumantes, só ali no fumódromo há circulação de ideias no jornal.

Ali no fumódromo, brotam as ideias mais altas e mais profundas.

Os fumodreiros detestam o óbvio, dedicam-se apenas a criar. Não me espanta que os burocratas, atendendo aos boatos sinistros, estejam a lucubrar a destruição do fumódromo.

Os burocratas só sabem destruir.

Esses dias, um estudante de Jornalismo me entregou um texto seu para que o examinasse e desse uma opinião.

Três dias depois, mandei-lhe a minha opinião: “Achei o texto insosso, falta-lhe nicotina e alcatrão. Ponha uma fumaça neste texto”.

Há jornalistas aqui de ZH, poucos mas significativos, que, quando estão sem assunto ou se entregam ao enfado em suas mesas, correm até o fumódromo, mesmo alguns não fumantes.

Vão ao fumódromo em busca de ânimo e de coragem, à procura de um bálsamo que os emerja da tristeza ou da depressão.

E lá readquirem as forças para a luta da vida, sabem que só no fumódromo medra a carqueja e viceja o alecrim.

Podem acabar com o fumódromo de ZH. Seria o mesmo crime acabar com o Coliseu em Roma, os jardins suspensos na Babilônia ou a Times Square em Nova York.

Acabem com o fumódromo, mas fiquem desde já com o remorso de que estão acabando com o centro nevrálgico do jornal.

Sem fumódromo, Zero Hora será um jornal sem alma como centenas de outros que há por aí.

Vamos, burocratas, o poder pertence a vós, pegai este bisturi e cortai nossas singularíssimas pessoas de fumantes.

Antes, no que até concordamos, não podíamos fumar no recinto da Redação. Agora, já não querem permitir que fumemos num anexo restrito e distante, lá pelos longes da Rádio Gaúcha.

Não vão poder fumar mais lá o Kadão, a Maria Isabel Hammes, a Priscila, o Moisés Mendes, eu, o Guerrinha, o Márcio Câmara.

Ou seja, os artistas da palavra, da escrita e da diagramação vão ser escorraçados.

E os não fumantes que vão para a cercania do fumódromo, como David Coimbra, o Boró, o professor Ruy, o Glênio Reis, Lasier Martins, em busca de papo e inspiração, vão viver de quê?

Vamos, estamos à espera da vossa cirurgia. Estamos prontos à vossa vivisecção. Desferi os golpes da navalha contra nossos corpos inocentes! Metralhai-nos!

Não vai faltar lugar, embora se desconfie de que logo vá faltar, em que possamos fumar, longe daqui, na calçada da Ipiranga inicialmente, depois no meio do Arroio Dilúvio, mais tarde nos espantem a toque de caixa para o talvegue do Rio Guaíba.

Vão nos escorraçando, mas vai ficar uma cicatriz na vossa consciência: nós vamos cair em nome do que amamos.

E o que amamos não rejeitamos.

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