segunda-feira, 13 de setembro de 2010



13 de setembro de 2010
| N° 16457 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Netto e o Domador de Cavalos

O cenário é antigo, forte, mítico. Um personagem é possuído pelo ideal de fundar um país ao Sul: eis o General Netto, nos meses antecedentes à eclosão da Guerra dos Farrapos. O filme de Tabajara Ruas Netto e o Domador de Cavalos – que estreia nesta semana em Porto Alegre – colhe-o como um homem cuja energia vital está represada para seu grande destino.

Patético, humano, contraditório, Netto interfere no desenlace de uma das lendas mais queridas pelos gaúchos: o negrinho do pastoreio.

Quando o negrinho, depois de perder a tropilha, depois das chibatadas, é posto no formigueiro para ser devorado, Netto e sua gente arrebatam-no dali, concedendo-lhe morte digna entre os seus. O estanceiro, seu proprietário, recebe punição exemplar, o que não está na lenda. Este é direito e o poder da ficção.

Num primeiro plano, vemos um filme cheio de ação e peripécias, ao sabor dos melhores westerns. A direção, segura, conta-nos seu enredo a partir de um roteiro que mantém altíssima a tensão da história. Alternam-se cenas do mais puro lirismo, em que a paisagem é soberana. E, tal como acontece nos filmes de Tabajara, o amor é quase sempre um momento agônico de urgente possessão.

Há outro plano, entretanto, desenvolvido com a mesma mestria, e que pode ser apreciado pelo espectador destituído de ideias prontas. O filme é o retrato de um Rio Grande “real”, em que a luta pela sobrevivência e as guerras brutalizam as pessoas. A solidariedade é exercício de poucos. As ações são praticadas por homens ásperos, sujos da terra do pampa. Há mortes sangrentas e sem glória.

Conhecemos também um Rio Grande multicultural: há escravos muçulmanos, que rezam voltados a Meca e recitam trechos do Corão; há índios endurecidos no contato com o colonizador e que, melhor do que este, são capazes de viver em harmonia com a natureza. Ao lado disso, há pérfidos oficiais do Império, bêbados e venais. Não é um quadro belo, mas fascinante por sua poderosa verdade.

Tudo isso Tabajara Ruas consegue com uma produção grandiosa e um elenco de atores de primeira linha. A música é esplêndida, e a reconstituição de época, impecável.

Só depois de ver Netto e o Domador de Cavalos pode alguém dizer que conhece o Sul. E, por acréscimo, conhece melhor a alma humana, esse ente sem geografias nem épocas.

Um grande filme.

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