sexta-feira, 24 de setembro de 2010



24 de setembro de 2010 | N° 16468
DAVID COIMBRA


Um não rotundo

O maior discurso que um candidato já pronunciou num debate eleitoral em todos os tempos, no Brasil, o mais impactante, mais honesto, mais dramático discurso foi o não rotundo, de Brizola.

Corria a eleição de 1989. Nunca houve eleição como aquela neste país, nem antes nem depois. Não apenas por ser a primeira para presidente em três décadas, mas pela qualidade dos candidatos e porque fremia na atmosfera a certeza, aliás vã, de que a panaceia da democracia era a cura para todos os males da nação.

Os debates, nós os assistíamos como se fossem final de Copa. Para aquele, o último do primeiro turno, preparei o meu famoso arroz de china pobre, e os amigos trouxeram ramalhetes de cerveja. Éramos uns 30 na sala, tinha gente por todo lado, não havia cadeira suficiente e alguns sentaram-se no chão duro de parquê.

Quando Brizola começou a falar, fez-se o silêncio. Percebemos que estava emocionado. Fitou o olho da câmera e dirigiu-se diretamente ao eleitor. E então, algo inédito numa eleição, não pediu voto. Pediu um não voto. Que o eleitor votasse em outro candidato, se assim decidisse sua consciência, mas que não escolhesse Fernando Collor ou Silvio Santos. Que desse um não rotundo a esses dois, duas ameaças aos anseios do povo brasileiro.

Encerrou o discurso de forma brusca, a voz embargada, quase às lágrimas. Por alguns segundos, nenhum de nós, que o assistíamos, disse palavra. Eleitores ou não de Brizola, todos ficamos tocados.

Um trecho do discurso está no YouTube. Assista e diga se não tenho razão.

Porém, a despeito do apelo de Brizola, Collor elegeu-se.

Rei posto, a folhas tantas do novo governo, ocorreu o inesperado: Brizola aliou-se a Collor. Apoiou o homem que, meses antes, classificara como um perigo para o país, aquele para quem o eleitor devia gritar um não rotundo.

Ninguém entendeu. Brizola foi acusado de contraditório, de oportunista, de eleitoreiro.

Mas seu gesto havia demonstrado exatamente o contrário. Em primeiro lugar, Brizola foi democrático: respeitou a decisão do eleitor, embora não concordasse com ela. Em segundo, foi abnegado. Acatando Collor como presidente, apresentou-se para auxiliá-lo. Por ter mudado de opinião?

Por ter “caducado”, como sugeriram alguns? Não. Por ter visto ali a oportunidade de colocar em prática uma ideia na qual acreditava. Brizola ofereceu o sonho de sua vida, o projeto dos Cieps, a um presidente que não tinha nada a ver com ele e de quem não gostava.

Brizola agiu pensando nos interesses do Brasil, não em seus próprios interesses. Não barganhou cargos, não reivindicou privilégios políticos; pediu que fosse implantada a escola integral. Pediu que o presidente que o derrotou nas urnas salvasse as crianças brasileiras como ele, Brizola, sonhava salvar.

Quem é capaz disso? Quem tem a coragem de fortalecer um adversário para ver realizado um ideal? Que político tem a grandeza de ajudar o próprio inimigo para ajudar seu povo?

Hoje, nenhum. Hoje vê-se a sabotagem aos eleitos sob alegação de coerência.

É demais esperar capacidade de renúncia dos derrotados, bem sei. Mas que ao menos deixassem o vencedor tentar fazer o que propôs. Depois de 3 de outubro, eu aqui daria um não rotundo à oposição sistemática. Um não rotundo à oposição pela oposição.

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