terça-feira, 28 de setembro de 2010



28 de setembro de 2010 | N° 16472
LUÍS AUGUSTO FISCHER



Um antigo 28 de setembro

Sinceramente, eu ia escrever sobre outro tema: a curiosa circunstância de os três principais candidatos ao governo do estado serem da mesmíssima geração (Yeda nascida em 1944, Fogaça e Tarso em 1947). São todos sessentões, e eu ia tentar uma teoria sobre a falta de protagonistas da geração seguinte, que é a minha (classe de 1958).

Para dar um exemplo notável: nas eleições de 82 se candidataram Simon (na flor dos 52), Collares (55), Jair Soares (49) e Olívio (categoria júnior, então com 41 anos). É que o tempo se espichou para todos, e além disso um ciclo histórico está em seu auge, etcétera e tal.

Mas resolvi deixar de lado o tema ao ver a data de hoje: 28 de setembro. Todo leitor de Machado de Assis, como este seu criado, sabe que a data está no centro de sua atenção. A 28 de setembro de 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, primeira legislação relevante depois de 1850 em torno do tema da escravidão. Se dependesse das elites proprietárias mais ricas, nada disso teria acontecido.

Um dos argumentos que usavam era notavelmente cretino: que os proprietários de escravos não podiam ser penalizados uma vez que – o argumento tinha fachada liberal – os escravos tinham sido comprados dentro da lei e portanto o governo nada tinha que se meter num negócio privado.

Um primor de retórica vazia (e política cheia), que mantinha centenas de milhares de indivíduos na abjeção. A Lei de 28 de setembro tinha um enunciado singelo: ficavam livres os filhos de ventre escravo nascidos depois daquela data. Mas a aplicação é que foi uma farsa, dessas que o Brasil apresenta de vez em quando: a lei previa que, como não havia registro confiável dos escravos, ficavam os donos obrigados a “fazer a matrícula” dos escravos; se não fizessem, os escravos ficariam livres. Barbada, então?

Nada disso. Ocorre que a lei recebeu umas providenciais emendas, de representantes dos escravagistas: tal liberdade por falta de matrícula só ocorreria em determinadas condições, “por culpa ou omissão dos interessados”, dizia o texto. Adivinha?

Essa emenda criou uma ambiguidade que deu margem a muita firula, muita chicana, e então, como agora, havia advogados disponíveis para alegar que os escravos eram culpados por não terem sido matriculados. Uma palhaçada, além de uma ignomínia, mas que funcionou, deixando a aplicação da lei para depois.

Machado entra ao vivo nessa história como funcionário público que dava pareceres sobre casos problemáticos de aplicação da lei, como se pode ler num ótimo trabalho, Machado de Assis Historiador, de Sidney Chalhoub (Cia. das Letras, 2003).

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