sábado, 18 de setembro de 2010



19 de setembro de 2010 | N° 16463
PAULO SANT’ANA


Deus e o diabo

Só agora compreendo que Deus me pôs na face da terra para que eu enfrentasse a luta da vida, isto é, tivesse alegrias e tristezas, passasse por realizações e por desgraças.

Dizem os filósofos apóstatas não só que não foi Deus quem criou os homens, e sim os homens é que inventaram Deus, mas também o pensamento herege afirma que se Deus existisse não haveria catástrofes, tragédias, terremotos, marido espancando mulher e mulher torturando os seus filhos.

Ou seja, os filósofos profanos ou os materialistas querem nos fazer crer que tudo de ruim que acontece em torno do homem na Terra não é culpa de Deus, porque Deus não existe.

E eles dão como prova de que Deus não existe exatamente isto: se existisse, não permitiria tanta dor e injustiça.

E mais: os filósofos incréus não acreditam que se trave na conduta dos homens um conflito entre Deus e o diabo, ou seja, entre o mal e o bem.

Eles são fatalistas: se existisse no mundo realmente uma disputa feroz entre o diabo e Deus pela conquista do coração e do cérebro do homem, não haveria jamais o triunfo do mal sobre o bem, do diabo sobre Deus, o vencedor sempre seria Deus, isto é, jamais o mal triunfaria. Porque Deus é o senhor de todas as coisas e consequentemente sempre levaria a melhor sobre o diabo.

E o mal, como se sabe, triunfa em tantas e tantas oportunidades, desde os governos totalitários que torturam e encarceram as pessoas, até o incrível toque de recolher que sofrem os moradores da Vila Ipê São Borja, proibidos de transitar nas ruas pelos bandidos, depois das 19h, conforme noticiou Zero Hora na sexta-feira.

Voltando ao diabo, a apostasia teológica afirma que não há lógica em que Deus permita que o diabo exista e continue operando para transtornar a mente e o coração humanos.

Pois, se Deus é a suprema encarnação do bem, como afirmam os livros sagrados, certo seria que ele coibisse toda espécie de mal e extinguisse para sempre o diabo.

E como fico eu, pobre e indefeso caniço pensante, entre os filósofos profanos e os pregadores da existência de Deus? Como fico eu a coisas tantas?

Pois quero dizer que formei a minha tese, depois de tantas hesitações intelectuais, culturais, religiosas e filosóficas: acho que Deus me colocou no mundo sabendo que estava designando para mim um espaço ao mesmo tempo de gozo e de sofrimento.

Ou seja, o homem não passa de um carpinteiro que, ao mesmo tempo que faz as mesas, faz também os caixões do cemitério.

Tentando melhor explicar, se isso ainda é possível, até mesmo porque há mistérios da existência que são inexplicáveis, Deus não jogou o homem num paraíso, jogou o homem na Terra, um território em que de alguma forma ele poderia escolher entre o bem e o mal, ainda assim a conduta humana estaria dependente do esforço, do talento, da inventividade e da sorte.

E, se ainda mais eu for perquirir, cairei nos braços da doutrina do espiritismo, que prega que a vida é apenas uma passagem, que há mais vidas depois desta, o que faz com que eu desconfie de que, nas outras vidas que virão após esta, nós estaremos recebendo recompensas ou castigos pela conduta que tivemos nesta vida e em outras.

E, finalmente, eu desconfio que acabo de escrever uma estupenda coluna, na qual vazei a minha introspecção intelectual suprema.

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