sábado, 18 de setembro de 2010



19 de setembro de 2010 | N° 16463
DAVID COIMBRA


O aluno que cansou de apanhar

Segundo a tradição judaica, o mundo foi criado há exatos 5.771 anos. Fez aniversário dia desses, inclusive. Os cientistas, no entanto, apuraram que a Terra é um tanto quanto mais velha: tem 4,6 bilhões de anos.

Mas isso não quer dizer que os antigos hebreus estivessem de todo errados. Não estavam. Porque, se o mundo não é tão novo, se a vida sobre a Terra não é tão recente, se nem o homem existe há tão pouco tempo, a Civilização, esta sim, existe.

A Civilização, quer dizer, a vida humana organizada em sociedades complexas, a Civilização viceja e pulsa há mais ou menos 5.500 ou 6 mil anos. Foi fundada pelos sumérios na fértil fita de terra que se estende entre os rios Tigre e Eufrates, a velha e boa Mesopotâmia.

Muito do que temos hoje devemos aos sumérios: a invenção do arado e, muito provavelmente, da roda; deles os hebreus aproveitaram a lenda do dilúvio e do nascimento de Moisés;

foi na Suméria que incautos erigiram a Torre de Babel, na verdade um zigurate, tipo de edifício construído em andares de tamanho decrescente no estilo de alguns dos arranha-céus de Nova York, entre os quais o Empire State. Abraão, o patriarca das religiões monoteístas, veio da Suméria, mais precisamente da cidade de Ur, a bíblica “Ur dos caldeus”.

Mas a maior, a insuperável contribuição da Suméria para a Humanidade foi a invenção da escrita. Os sumérios, pode-se dizer, inventaram a História.

A escrita da Suméria era chamada de “cuneiforme”: em forma de cunha. As palavras eram inscritas em placas de argila mole depois deixadas para secar ao sol ou assadas em fornos. O aprendizado dessa técnica de escrever era longo e doloroso. Dava-se em escolas chamadas “edubba”, ou “casa das placas”. Foram as primeiras instituições de ensino formal da História, o que se constitui em outra grande invenção suméria.

Os meninos de famílias importantes eram matriculados nessas escolas e delas só saíam adultos. O caminho para se tornar escriba era pedregoso e lamacento. Os alunos precisavam decorar centenas de sinais complexos, cada um significando uma palavra ou parte dela – jamais ocorreu aos sumérios a ideia de que sinais como letras podiam ser combinados em sílabas.

Os estudantes relapsos viam-se castigados por inclementes surras de vara. Tudo era motivo de punição: perambular pela rua, falar sem autorização ou má caligrafia.

Em 2.000 antes de Cristo, um desses alunos vacilantes cansou-se de apanhar e apelou para a influência paterna. O velho acedeu. Convidou o professor para que o visitasse em sua casa. Um texto de 40 séculos de idade conta o que se passou então:

“O professor foi trazido da escola e, ao entrar na casa, fizeram com que se sentasse no lugar de honra. O escolar cuidou dele e o serviu, e tudo o que havia aprendido da arte da escrita em placas ele revelou para o seu pai”. Em seguida, o pai, vestindo o professor com “um traje novo”, pôs um valioso anel em sua mão. O professor encantou-se de tal maneira com a generosidade da família que de pronto esqueceu o que o levara a castigar o aluno.

– Você realizou muito bem as atividades escolares – disse ao rapaz. – Você se tornou um homem sábio...

Isso há quatro mil anos.

Como se vê, a corrupção não foi inventada no Brasil. Não seria por causa dela que deixaríamos de fazer o que havemos de fazer. Nem Copa nem Olimpíada aumentarão a corrupção ou o ganho dos corruptos.

Como já dizia o Eclesiastes, não há nada de novo debaixo do sol.

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