quarta-feira, 8 de setembro de 2010



08 de setembro de 2010 | N° 16452
PAULO SANT’ANA


O último encontro

Estava eu absorto em meus pensamentos, completamente ensimesmado, quando me irrompeu às mãos e à cabeça uma frase lapidar do grande Oscar Wilde: “Quando uma relação se rompe, as palavras mais doces são pronunciadas por aquele que não ama”.

Que pensamento extraordinário!

Fiquei a matutar sobre a frase. Trata-se da secção total entre duas pessoas, um homem, uma mulher, que tentaram viver uma relação conjugal, digamos assim.

Tentaram, mas foram vencidos, seja pelo fastio (a fadiga dos metais), seja pelos outros duros embates que se travam numa relação.

E foi chegado o momento da ruptura.

Eu tive a audácia de corrigir o grande poetinha Vinicius de Moraes, que afirmou que “a vida é a arte do encontro”.

Pois eu discordei e lasquei: não, a vida é a arte da despedida.

Foi então chegado o momento para o casal citado pelo Oscar Wilde, o sinistro e trágico momento da despedida.

Evidentemente, segundo o grande escritor, as palavras mais doces na despedida são pronunciadas pelo parceiro ou parceira que não ama.

O que ama não ousa pronunciar qualquer palavra. Se ousasse, seria para maldizer aquele infausto momento em que todas as suas ilusões e esperanças foram malbaratadas.

Se ousasse, seria para lamentar violentamente a furna escura em que se meterá nos próximos anos ou por toda a vida.

Se ousasse dizer algo, o pobre parceiro que ama, seria para agredir, para acentuar o tremendo desconsolo da separação.

Já o que não ama procura se despedir da forma mais delicada e cordial possível, algodão entre cristais.

O que não ama pronuncia palavras doces como a última esmola a celebrar uma relação fracassada.

O que não ama vê chegado no momento da despedida o instante de fingir e de consolar.

É um frio polar a cercar o último encontro. Não há nada mais triste na convivência humana do que o último encontro.

Naquele momento insólito e brutal da despedida, qualquer palavra que pronunciasse o que ama se faria amarga ao sal da recordação.

O que não ama sai da relação com a aparência da ingratidão. O que ama se despede da relação com a sensação de remorso.

Que momento! Palavras doces do que não ama, silêncio sepulcral e dolorido do que ama.

O que ama fica com vontade de repetir o poeta Guilherme de Almeida: “Tenho ciúme de quem não te conhece ainda/ e cedo ou tarde te verá pálida e linda/ pela primeira vez”.

Estão ali os dois parceiros estatelados, à mercê do punhal da despedida.

Um futuro incerto os espera, toda a construção cuidada e fértil da relação esboroada.

E o futuro dos dois lhes parece um abismo de vazio e escuridão imensos.

São dois vencidos, mas é óbvio que as únicas palavras ouvidas na solenidade fúnebre são as palavras doces daquele que não ama.

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