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quinta-feira, 2 de setembro de 2010
02 de setembro de 2010 | N° 16446
PAULO SANT’ANA
As barrigudas
Gosto muito desta história que conto agora.
Um amigo disse para o outro: “Se eu não estiver em casa e bater na porta um grande amigo meu, minha mulher não está autorizada a fazê-lo entrar”.
O outro respondeu: “Estás redondamente enganado. Se não estiveres em casa e bater lá um grande amigo teu, deves autorizar a que tua mulher o deixe entrar. Pois, se ele não puder entrar, então é porque não tens em casa uma verdadeira mulher e não te bateu à porta um verdadeiro amigo”.
Esta esplêndida e espetacular história que vou contar a seguir tem muito a ver com o drama da saúde pública entre nós, quando há mais doentes que leitos nos hospitais.
Estava o caboclo a entregar-se aos preparativos da pescaria. Muniu-se de caniço, anzol e iscas e atirou sua canoa na lagoa.
Ficou ali com aquela esperançosa e aborrecida paciência dos pescadores que aguardam o peixe mordiscar a isca.
Passaram-se uns 30 minutos até que o anzol e a linha sacudiram-se e dentro de alguns segundos o pescador puxou o peixe de dentro da lagoa.
Era uma piava gorda como ele nunca vira tão gorda, que mal saltou dentro da canoa se dirigiu aos berros para o pescador:
– Não me mate, senhor, estou barriguda. Talvez o senhor não saiba o que é barriguda, pois lhe explico melhor – dizia aos gritos a piava – estou grávida de centenas de piavinhas que estão no meu ventre, vão nascer daqui a um ou dois dias. Não me mate, me devolva para a lagoa, quero salvar não a minha vida, mas as dos meus filhotes.
O pescador apiedou-se da piava barriguda, desencravou o anzol da bochecha do peixe e devolveu-o à liberdade da lagoa.
Passaram-se largos minutos e o pescador continuava à espera de pesca mais bem-sucedida, quando outro peixe mordeu a isca.
O pescador içou-o para a canoa e ouviu do peixe o mesmo apelo daquele primeiro:
– Não me mate. Deixe eu viver, estou barriguda. Na minha barriga estão centenas de filhotinhos quase prontos para nascer. Tenha pena de mim e deles.
O pescador não teve dúvidas e devolveu a piava viva para as águas da lagoa.
E assim se passaram várias horas, o pescador içou várias piavas para a canoa e todas diziam que estavam barrigudas. Ele as devolvia para a lagoa sem qualquer remorso.
Depois da oitava piava pescada, o pescador pescou a nona. Não era um peixe gordo, era magro, normal.
E o pescador disse ao peixe: “Não vais me falar que também és barriguda?!”.
E a piava respondeu: “Não sou barriguda. Milhares de vidas de peixes dependem de mim aqui neste lugar, o senhor tem a obrigação de me devolver para a água porque eu sou a parteira desta lagoa”.
Esta história recém contada é emblemática para a saúde pública brasileira e gaúcha: não sobreviverão as parturientes se não houver maternidades. Os governos têm de construir hospitais, pois, os doentes, as doenças já estão encarregadas de multiplicá-los.
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