quarta-feira, 8 de setembro de 2010



08 de setembro de 2010 | N° 16452
MARTHA MEDEIROS


Abrir a porta em pleno voo

Na madrugada da última segunda-feira, um passageiro se sentiu mal e tentou abrir a porta do avião em que viajava de São Paulo para João Pessoa. Posso imaginar perfeitamente o tumulto a bordo. Certa vez, eu estava num airbus quando um garoto de uns 18 anos tentou a mesma proeza, em plena madrugada, a mais de 20 mil pés de altitude.

Ele foi detido a tempo pela tripulação, lógico, ou eu não estaria aqui contando o episódio. Mas foi um susto e tanto. Como é que alguém aparentemente sereno, saudável, de repente levanta do seu assento e tenta pular fora sem levar em consideração as consequências?

São inúmeros os claustrofóbicos. Estando num avião fechado, distante da terra firme, o desespero não deve ser fácil de controlar. Uma vez dentro, não há para onde fugir. Ainda assim, alguns arriscam. Imagino que o impulso torna-se mais forte do que a razão. É preciso tentar escapulir, mesmo que o desfecho seja trágico.

Poucas coisas são tão angustiantes quanto se sentir preso a uma situação desconfortável. Há quem faça loucuras menores, mas ainda assim loucuras, como sair de um carro em movimento, sem esperar que ele pare. Temos pressa em nos desvencilhar do que é violento.

E nem estou falando de tentativas de agressão, estupro, em que a fuga se faz necessária. Estou falando de violência psicológica. É quando a mente não consegue mais nos ajudar a contemporizar, esperar, relevar. Ela nos deixa totalmente na mão. Apenas ordena: corra!

Abrir a porta em pleno voo é uma metáfora perfeita para essas situações-limite.

Mas seria mais prudente sair fora com algum planejamento e enquanto ainda resta um pouco de juízo. Em vez de terminar uma relação simplesmente sumindo, melhor ter a cortesia de se despedir, o que será levado em conta no caso de um arrependimento. Em vez de sair de um emprego explodindo com o patrão, melhor mandar uma mensagem por e-mail dizendo “venho por meio desta...”, elegantemente deixando a porta aberta para uma nova oportunidade mais adiante.

A empregada que não vem trabalhar na segunda, nem na terça, nem na quarta, deixa para trás seus direitos e uma boa carta de recomendação. O adolescente que briga com o pai e desaparece levando uma mochila rompe um laço que um dia lhe fará falta.

O pai que também desaparece levando uma mochila e abandona a família rompe um laço que, mesmo que não lhe faça falta, fará aos filhos. Nada como aguardar o momento certo de dar adeus, saindo com calma, explicando seus motivos e dizendo até logo, em vez de abrir a porta em pleno voo sem pensar um segundo nos parceiros de viagem.

Sair esbaforido é quase sempre um suicídio com riscos não calculados.

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