terça-feira, 21 de setembro de 2010



21 de setembro de 2010 | N° 16465
MOACYR SCLIAR


Arte ou terrorismo?

A arte moderna, ou aquilo que é denominado de arte moderna, por vezes toma rumos surpreendentes, como é o caso das chamadas “instalações”, que muitas vezes intrigam e deixam perplexas as pessoas: será que aquela coleção de objetos ou de materiais configura-se realmente como produção artística? Ou será que aquilo que artistas mostram em seus quadros pode ser considerado arte?

Tomem o caso do artista Gil Vicente, que, na 29ª Bienal de São Paulo, a ser inaugurada no próximo sábado, mostrará a coleção “Inimigos”, uma série de quadros que o mostram “assassinando” personalidades nacionais e mundiais: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (que busca a reeleição), o ex-presidente americano George W. Bush, o papa Bento XVI, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, o ex-primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, a rainha Elizabeth e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan são algumas das vítimas do artista, que, como se vê, é absolutamente imparcial em termos de ideologia ou de países.

Todos são “executados” com tiros na cabeça, exceto o presidente Lula, que é degolado, uma exceção que Gil Vicente atribuiu à “casualidade”. Diz ele que esta é a forma de expressar sua “indignação”: “O mundo é o que é porque todos os dirigentes políticos roubam”. Declara-se um defensor da “justiça social”.

A Ordem dos Advogados do Brasil pediu a retirada das obras, sustentando que elas incitam à violência; a organização da Bienal não concorda com isso, invocando a liberdade de expressão. Provavelmente os quadros ficarão lá, mas pode-se tirar disso uma boa lição. O fato de que alguém desenha bem, ou escreve bem, ou toca bem um instrumento, não torna necessariamente essa pessoa melhor.

Artistas não faltaram à Alemanha nazista e à União Soviética estalinista. Louis Ferdinand Céline, grande escritor, apoiou a ocupação nazi na França, e bem assim o poeta americano Ezra Pound. Na arte de Gil Vicente, podemos inclusive enxergar o germe do terrorismo, que começa com uma visão distorcida e maluca da realidade para a seguir se transformar em atentados.

É isso que as pessoas precisam discutir. Ou seja, as pessoas precisam desenvolver seu senso crítico, o que é, afinal, o objetivo da verdadeira arte. Não basta o rótulo, não basta a habilidade; a mensagem é fundamental. E neste caso trata-se de uma mensagem perturbada, para dizer o mínimo.

Detalhe curioso: o autor dos quadros tem o mesmo nome do primeiro grande dramaturgo português, que viveu nos séculos 15 e 16 e é considerado o pai do teatro luso. O coitado deve estar se revirando no túmulo.
Na próxima segunda, dia 27, às 20h, estarei na Livraria Cultura do Bourbon conversando sobre meu livro Eu vos Abraço, Milhões. Se milhões virão, não sei, mas abraços haverá (e autógrafos, inclusive em livros que a editora sorteará).

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