quarta-feira, 8 de setembro de 2010



08 de setembro de 2010 | N° 16452
JOSÉ PEDRO GOULART


Cigarros

É notável um fato, entre tantos da série americana Mad Men, premiada ainda agora com o Emmy: todo mundo fuma. O fumacê começa nos créditos e se espalha por cada sequência, cada canto de cenário, seja quarto de dormir, escritório, trem, avião, creche ou hospital; não fazendo distinção entre pulmão de rico ou pobre.

A história se passa no início dos anos 1960, em torno de uma agência de publicidade. Naquela época carregar um maço de cigarros equivalia a um celular agora. Cada geração no seu quadrado. Se era chique no tempo das saias plissadas, hoje o cigarro disputa o primeiro posto na lista dos artigos produzidos no inferno, feito pelo diabo em pessoa. E só continua tendo a venda liberada em razão dos impostos gigantescos com que brinda os cofres públicos.

Os produtores da série disseram que seria incabível contar uma história no período sem que as pessoas fumassem. Atualmente, porém, as leis americanas contra o tabaco estão cada vez mais duras – é proibido fumar no trabalho, incluindo aí estúdios de filmagens. Por isso os atores na série tragam cigarros feitos com ervas consideradas inocentes. Qualquer coisa entre o orégano e o funcho, creio.

Assistindo a Mad Men, me descobri saudoso do tempo em que se fumava em público, com liberdade. O cigarro é um produto cinematográfico. A fumaça preenche o quadro, filtra a luz, envolve os personagens como se todos se deixassem abraçar por difusas membranas desprendidas da alma de cada um.

Além disso, a pessoa que fuma mantém a boca ocupada, fala menos, presta mais atenção nos outros. Uma boa tragada leva à reflexão, o espírito solitário divaga no ar, o cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar, suspirou o Mario Quintana entre baforadas de Minister. Sem contar que é sexy – existiria uma mulher como Gilda sem um cigarro na mão?

Porém a dança sensual da fumaça nasce da queima do tenebroso alcatrão, da rancorosa nicotina, e mais um tanto de lixo químico viciante e cancerígino. O cigarro é uma porcaria, eis uma verdade; o meu ponto aqui é meramente simbólico.

Quem sabe o tal cigarro de orégano e funcho? Feito de erva inócua, mas que ponha fumaça no ventilador. Qualquer coisa que dedetize o mundo. Uma cortina que nos separe da caretice vigente – das esteiras ergométricas, smartphones e seres anabolizados. E que rime com fossa (isso mesmo, ô cabecinha de pixel, fossa), filosofia e, valha-me São Lupicinio, o gesto poético, aparentemente perdido, na mesa de um bar.

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