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sábado, 11 de setembro de 2010
12 de setembro de 2010 | N° 16456
PAULO SANT’ANA
O mel e a cicuta das palavras
Se, como diz Stendhal, as palavras foram dadas ao homem para que ele esconda seus pensamentos, as palavras então não passam de um fingimento.
Mas eu fico a pensar: se o homem não tivesse sido dotado das palavras, como exprimiria os seus pensamentos? Parece-me que só pelos gestos seria insuficiente.
Repito: se não fosse por meio das palavras, como o homem definiria as suas ideias? Só pelas atitudes, me parece deficitário.
Por outra parte, como Stendhal ousou contestar que a forma mais perfeita do homem para exprimir a verdade seja com o uso das palavras?
Ou acaso a Bíblia e os outros livros sagrados, inclusive o Alcorão, não foram construídos com palavras?
Só se Stendhal quis dizer que a Bíblia e o Alcorão foram feitos com o fito de enganar os homens.
Num ponto, o grande filósofo francês tinha razão: no caso dos bebês.
Não existe ser mais angelical, doce, sem pecados, do que um bebê. E um bebê está naquela fase em que não sabe ainda usar as palavras.
Deve ter sido aqui que o filósofo queria chegar: enquanto não pronuncia ou escreve palavras, o bebê é um ser puro, inconspurcável.
Quando começar o bebê a ensaiar ou pronunciar palavras, pronto, de repente corrompe-se como todos os adultos.
Eu sei que a palavra é a melhor condutora da mentira, mas, por outro lado, as verdades mais sublimes são pronunciadas pelas palavras.
Eu sei que a palavra agride pelo caluniador, mas em contraposição a palavra abençoa pelos lábios dos profetas.
Prefiro, assim, concluir que as palavras são instrumentos do bem e do mal.
Servem ao verdadeiro e são súditas da hipocrisia.
Não são as palavras as culpadas pelos erros dos homens, os homens é que por vezes incorrem em erros por traduzirem imperfeitamente o que pensam e sentem através das palavras.
Mas num ponto só concordo com Stendhal: por mais que se esmerem as palavras, pela voz do orador mais genial ou do escritor mais inspirado, elas jamais conseguirão exprimir os pensamentos, que sempre esbarrarão tísicos e roucos no mulambo da língua paralítica.
E, se Deus não concedeu às pombas e aos cordeiros o direito de pronunciar palavras, também não o concedeu às feras e às serpentes.
O Evangelho é a véspera da salvação.
O amor é a véspera do ódio.
A esperança é a véspera da frustração.
A dívida é a véspera da falência.
Mas também a dívida pode ser a véspera da reabilitação.
A traição é a véspera da mentira.
A admiração é a véspera da inveja.
A quebra do sigilo é a véspera da esculhambação.
O grito é a véspera da loucura.
Já o silêncio é a véspera da adesão.
A segunda divisão é a véspera do abismo.
Ou será a zona do rebaixamento a véspera do abismo?
O Diário Gaúcho é a véspera da Zero Hora.
A inspiração é a véspera desta coluna.
A exasperação é a véspera do desatino.
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