domingo, 5 de setembro de 2010



05 de setembro de 2010
| N° 16449 - MARTHA MEDEIROS


Um amor asfixiado

Muitas pessoas me pedem para escrever sobre o amor entre amantes, quando um deles, ou ambos, são comprometidos e estabelecem uma relação clandestina que se alimenta do próprio sentimento e de mais nada. Pode durar? Deve terminar?

Pode tudo, como qualquer história de amor, e não é fácil, nenhuma relação é.

Amantes vivem uma paixão temperada pelo anonimato. Os encontros escondidos, o segredo unindo os dois, o receio de um flagra, a excitação de estar fazendo algo oficialmente ilegítimo: uma aventura.

É como ser personagem de um filme B, a luxúria assumindo o comando, a vida privada ainda mais privada do que normalmente costuma ser. A coragem de abraçar o pecado, desafiando uma sociedade que adora apontar o dedo para aqueles que ousam mais do que outros.

A despeito do que possa haver de culpa numa relação assim e de toda a logística para colocar em prática a operação semanal, para eles compensa. Até que um dia os encontros se banalizam, como tudo que sofre a ação do tempo. O que era excitante passa a entrar para a rotina, e o sexo, estrela principal desse espetáculo, já não basta. Passa-se a requerer o que se requer em todas as relações: a confirmação pública de sua existência.

A ideia de um amor e uma cabana é uma idealização que não se sustenta. Queremos o ninho, mas também queremos voar juntos. Sempre que saímos pra rua, nós conhecemos novas pessoas, lugares, sensações. Tem graça estando sozinho? Podemos compartilhar nossas descobertas com nosso amor através do telefone, mas muito melhor é quando a pessoa que diz estar ao nosso lado está de fato ao nosso lado, não apenas metaforicamente.

Quando dizemos “tenho alguém”, não se está propagando o sentimento de posse como quando dizemos “tenho um carro” ou “tenho um iPod”. Ter alguém significa ter companhia para o teatro, o cinema, os jantares entre amigos, as caminhadas de sábado.

Ter com quem desabafar quando a angústia aperta, ter com quem dançar, ter com quem viajar, ter com quem dividir os momentos de prazer e também as indiadas, ter com quem trocar um olhar cúmplice em meio à multidão, ter com quem praticar um esporte, comprar condimentos para cozinhar à noite, escolher um DVD, reclamar das coisas que não deram certo, pedir uma carona no final do expediente, fazer uma surpresa.

Por mais que se diga que a tecnologia aproxima as pessoas, você não exercita a convivência por e-mail ou qualquer outra ferramenta virtual, e mesmo o telefone é paliativo: minimiza a distância, mas não reforça o vínculo. Viver junto é junto mesmo.

Não estou levantando a bandeira do grude, bem sei como é importante uma área de respiro, mas está-se falando de ligações em que a presença física é raridade, daqueles casais que só frequentam endereços secretos, uma ou duas vezes por semana. Que não conhecem os amigos e o local de trabalho de quem dizem amar.

Que reservam para seus raros encontros a lingerie mais bonita e as palavras mais doces, mas que não abrem janelas, desligam o celular, deixam a porta trancada. Um caso. Um affair. Um microcosmo onde só cabem dois habitantes.

Romântico, pulsante, febril, mas chega uma hora que asfixia. Sair do casulo, namorar ao ar livre, testemunhar as reações um do outro diante dos acontecimentos mundanos, tudo isso me parece mais divertido: uma relação a dois e múltipla ao mesmo tempo. O que reforça a intimidade é ter o que compartilhar, não o que esconder.

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