segunda-feira, 20 de setembro de 2010


MOACYR SCLIAR

Dançando no baile dos feios

Ele queria lealdade, não beleza; as namoradas o trocavam como quem troca de roupa ou maquiagem

Britânicos ganham rede social só para pessoas feias. O mais novo site de relacionamentos do Reino Unido, "The ugly bug ball" (TUBB) ou o Baile dos Insetos Feios (título de uma música do americano Burl Ives), garante: "Pessoas feias tendem a ser mais compreensivas e leais. Quando se tem um parceiro feio, é improvável que alguém tente roubá-lo". O site só permite o cadastro de quem não seja "reconhecidamente atraente". FOLHA.COM

NAMORADAS ELE tivera muitas, moças lindas, inteligentes. Mas as ligações duravam pouco tempo, porque, tão volúveis quanto belas, as parceiras trocavam-no por outro com a mesma facilidade com que trocavam de roupa ou de maquiagem. Tudo isso o deixava deprimido, frustrado. Ansiava por encontrar a mulher de sua vida, a companheira que ficaria sempre a seu lado. Mas onde estaria ela?

Achou que tinha encontrado a resposta quanto entrou no site conhecido como Baile dos Insetos Feios, que vetava de maneira explícita aqueles que fossem "reconhecidamente atraentes". De fato, os rostos que ali apareciam eram de uma feiura lamentável, patética. Mas o que o atraiu foi a promessa da fidelidade, da lealdade, coisa que o site garantia de maneira veemente. Lealdade era o que ele queria, não beleza.

Uma foto chamou-lhe a atenção: era de uma garota gorda, espinhenta, medonha, que, contudo, sorria candidamente. E foi esse sorriso, por ele visto como uma comovente demonstração de confiança na vida e no amor, que o fez decidir: namoraria aquela moça.

Havia um problema. Segundo o site, teria de mandar a sua própria foto, que certamente seria rejeitada: feio ele não era, estava longe de sê-lo. Procurou um amigo que trabalhava com Photoshop, e pediu-lhe que retocasse sua foto.

Foi um sucesso: seu rosto ficou medonho, o que possibilitou uma imediata aceitação pelo site. Fez então contato com a jovem. Como esperava, ela aceitou a proposta; marcaram encontro num bar.

Ela informou que iria com um vestido vermelho, uma echarpe amarela e uma flor no cabelo, detalhes que a ele pareceram inúteis: com aquela feiura ela seria facilmente identificável.

Ele, não. Tinha mudado o seu rosto no Photoshop, mas não poderia fazê-lo na realidade. Nem era o que ele queria; seu plano era apresentar-se à feia, confessar o truque e dizer que queria namorá-la assim mesmo, porque estava em busca da fidelidade. Mesmo porque, ele agora o sentia, o fascínio pela feiura dera lugar a um sentimento que nada tinha de sádico nem de piedoso; era... amor? É. Amor. Inesperado, como costuma ser o amor.

Na noite marcada, lá estava ele, sentado em uma das mesas do bar, aguardando-a. E de repente surgiu na porta uma moça, lindíssima, usando um vestido vermelho, uma echarpe amarela e uma flor no cabelo. Ele estremeceu. Seria coincidência?

Não. Não era coincidência. A moça tinha feito a mesma coisa que ele: mandara um retrato deformado pelo Photoshop para também viver uma aventura com um feio. Um feio fiel, um feio que não a abandonasse.

Com um aperto no coração, teve de reconhecer: fiel seguramente seria, mas feio não. Em silêncio, levantou-se e foi para casa. Ia em busca de um site que lhe revelasse a sua verdadeira paixão. Ia em busca do Baile do Amor.

MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

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