sábado, 25 de setembro de 2010



26 de setembro de 2010 | N° 16470
PAULO SANT’ANA


O tédio

Era um domingo tão tedioso, que os maridos foram fazer sexo com suas próprias mulheres.”

Não sei onde li essa frase monumental.

E eu emendo que era um domingo tão tedioso, véspera de segunda-feira em que se tem de pagar as contas, domingo de pijama, de chuva rala que impede que se leve o cão para passear.

Era tão tedioso o domingo, que o homem senil foi jogar dominó com a empregada doméstica que mora no emprego.

Era tão tedioso o domingo, que se aproximava o meio-dia e a família ainda não tinha decidido se iam cozinhar em casa ou iriam a um restaurante.

Nenhum dia é mais próprio para o tédio do que o domingo. É dia de pensar, neste tedioso domingo de setembro, nos cálculos financeiros sobre quanto vão custar e onde se passarão as férias que se aproximam.

Tédio terrível o deste domingo em que os colorados estão desinteressados do campeonato nacional de pontos corridos porque já estão classificados para Abu Dhabi, e os gremistas já sentiram que o destino do seu time é vagar e vagar pelas nuvens pardacentas da zona da Sul-Americana.

Tédio dominical em que a filha comunica ao pai que não vai mais continuar cursando o sexto semestre da Faculdade de Veterinária e se transferirá para o primeiro semestre de Psicologia, ambos os cursos, é claro, em universidade privada.

O tédio se mistura à rotina e à mesmice. A vida vai sendo empurrada com a barriga.

Tédio do pneu da bicicleta furado e do rádio com pilhas gastas.

O brutal tédio de quem adia já há dois anos o implante de um dente ou a decisão sobre se vai ser agora ou não que se submeterá à cirurgia plástica nos seios.

Tédio brutal do domingo.

O tédio de um domingo de inverno só permite que se selecione e se leve ao ar no jogo da própria vida os piores momentos.

E, se, ao contrário, o domingo de inverno se transforme por milagre num domingo calorento, só se pensa que foi estragado assim o último e único prazer do domingo, que era comer um mocotó ou uma feijoada. Não se sabe por que cargas d’água os gaúchos só comem feijoada e mocotó no inverno.

Tédio monótono que se torna ainda mais tedioso quando se lê e se ouve nos programas pentecostais que a pena para quem sofre na vida é a vida eterna. Vai se sofrer para sempre?

Quando se pensou que a só a morte poderia acabar com o tédio, surge a ameaça de que depois da morte começa a vida eterna.

Por sinal, na vida eterna também tem domingos?

Olho para meu cãozinho Kunga e concluo que o tédio é próprio dos homens e dos animais.

Só que os cães vivem o tédio, mas não sentem o tédio como nós, humanos. Porque o tempo passa mais depressa para os cães, que só vivem 13 anos.

Enquanto que nós, humanos, vamos ter de conviver com este pesado tédio ainda durante 70 anos.

Nenhum comentário: