segunda-feira, 27 de setembro de 2010



27 de setembro de 2010 | N° 16471
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Danúbio

A arte do documentário requer grande refinamento, capaz de estabelecer justo equilíbrio entre o assunto do filme e a criação estética. São poucos, em nosso país, que o conseguem e, entre estes, cito Douglas Machado e sua exemplar série Literatura Brasil.

O nosso Henrique de Freitas Lima realizou um belo documentário, ainda não lançado, sobre o pintor, gravador e desenhista gaúcho Danúbio Gonçalves. É o primeiro da série Grandes Mestres.

Ressalta, desde logo, a simplicidade e sinceridade de Danúbio. Isso não é fácil de atingir, e a nem todos a idade ajuda nesse ponto. Impressiona também a fidelidade do protagonista às suas origens que estão em sua voz, nas expressões linguísticas, está no modo de parar-se ante a câmera. É um homem sóbrio como o são os gaúchos, rígido consigo mesmo, quase áspero, o que contrasta com momentos de bom humor.

Danúbio expõe com lucidez sua trajetória de guri de estância, de jovem em Porto Alegre e de homem de andanças pelo mundo, de homem capturado pelo seu Zeitgeist, marcado pela disputa ideológica e de contraposição à arte abstrata; esse pensamento reafirmava o compromisso social expresso pela arte do mexicano Diego Rivera, bem como pelos artistas do Taller de Arte Grafica Popular do México.

O documentário, para recuperar esse passado, foi àquele país, registrando momentos de visitação de Danúbio às suas referências artísticas, o que bem se constata no comovente encontro com o gravador e mestre impressor Mario Reyes.

Resulta muito bem articulado o diálogo de Danúbio com sua geração; isso se explicita em sequências em que suas obras transitam em meio às de seus contemporâneos, o que fica mais evidente no segmento dedicado ao Clube de Gravura, o mesmo de Glauco Rodrigues, Bianchetti, Carlos Scliar.

Só mesmo em retrospectiva é possível entender o capítulo dedicado ao Atelier Livre; ali, Danúbio Gonçalves foi a alma mater de um sem-número de artistas de hoje, que concedem carinhosos depoimentos acerca de seu mestre.

Com tudo isso, Danúbio, em sua sinceridade, não tem o menor receio de criticar certo tipo de arte: “hoje qualquer um pega uma tábua, põe sobre tijolos e joga tinta em cima, e diz que isso é uma pintura”. Afirmar isso é apenas permitido a quem atingiu um estágio de superior entendimento das vaidades humanas.

Para incidir deliberadamente no lugar-comum, este documentário é um retrato de corpo inteiro. Precisávamos disso, Danúbio precisava, o Rio Grande também.

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