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sábado, 25 de setembro de 2010
25 de setembro de 2010 | N° 16469
CLÁUDIA LAITANO
Cabeça feita
Enquanto eu e você estamos aí, tocando nossas vidinhas do jeito que dá, um grupo de cientistas está tentando decifrar os segredos do cérebro humano – o que, entre outras descobertas, pode ajudar a entender por que tocamos nossas vidinhas de um jeito e não de outro. Ou não.
Esse monumental projeto de pesquisa chama-se Conectoma (Human Connectome Project) e foi lançado oficialmente nos Estados Unidos no ano passado. A ideia é fazer com o cérebro humano mais ou menos o que o Projeto Genoma fez com o DNA – um trabalho de formiguinha, desenvolvido por cientistas espalhados no mundo todo, com o objetivo de mapear zilhões de circuitos cerebrais. Imagine um gigantesco prato de espaguete.
O que o Projeto Conectoma vai tentar fazer é encontrar as pontas de cada fio de massa e ainda mostrar como uns se conectam com os outros e para que servem.
A complexidade do DNA é pinto comparada às intrincadas conexões de neurônios que comandam não apenas o que pensamos, sentimos e lembramos, mas até mesmo a consciência de sermos humanos e não rabanetes.
O esforço dos cientistas para decifrar o código dessa caixa-preta que nasce e morre conosco (mesmo que o resto do corpo continue funcionando) e não aceita reposição a não ser como ficção científica acende a esperança de que doenças como o Alzheimer venham a ser melhor compreendidas e tratadas. Os avanços foram enormes nos últimos anos, na mesma proporção em que a tecnologia de investigação se desenvolveu e tornou possível o sonho do mapeamento do cérebro.
Mas a curiosidade a respeito do que vai pelas nossas cabeças obviamente não se restringe a médicos e neurocientistas. O grande enigma filosófico que se cruza com a ciência nesse debate é aquele que surge quando tentamos entender como essa massa de neurônios embolada dentro de nossas caixas cranianas engendra aquilo que costumamos chamar de “vida interior” – nossa autoconsciência e a espantosa singularidade que nos distingue uns dos outros.
O assunto virou uma obsessão para o economista Eduardo Gianetti, que esteve em Porto Alegre há duas semanas, como convidado do seminário Fronteiras do Pensamento, falando sobre seu novo livro, o romance-ensaio A Ilusão da Alma – Biografia de uma Ideia Fixa. No livro, Gianetti imagina um personagem que, um pouco como o próprio autor, torna-se obcecado por uma teoria chamada fisicalismo, que sustenta que a mente é apenas a manifestação de um sistema físico.
Como o próprio título entrega, a alma, segundo essa teoria, é uma ilusão humana. Assim como não existe nada fora de nós (rabanetes e gambás, o mar e o arco-íris, os eclipses e a gravidade) que não possa ser explicado pelas leis da física, o que vai pela nossa cabeça é muito mais determinado pela biologia do que admitimos até aqui – e seria apenas uma questão de tempo até que a neurociência e pesquisas como o Projeto Conectoma começassem a decifrar esse mistério, como já foram desvendados antes os segredos por trás de arco-íris e eclipses.
A Ilusão da Alma é daqueles livros que a gente termina com mais dúvidas do que quando começou. O próprio personagem parece aturdido com suas convicções, e nós, leitores, não ficamos indiferentes a essa chacoalhada em uma das convicções mais profundas do ser humano: a da liberdade que temos para fazer as escolhas que fazemos.
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