12
de janeiro de 2013 | N° 17310
CLÁUDIA
LAITANO
Bom dia,
tristeza
O
David Coimbra vive me dizendo que não gosta de histórias tristes. Devo ter cara
de quem adora tragédia porque cada vez que eu recomendo um livro ou um filme no
Café TVCOM, meu amigo me olha de um jeito meio desconfiado, como se qualquer
sugestão aparentemente inofensiva que eu faço pudesse esconder algum tipo de
drama humano lancinante do qual ele prefere manter distância – na vida como na
arte.
Sim,
eu confesso: encruzilhadas existenciais me interessam. Muito mais do que
aventuras nas selvas africanas, crimes perfeitos ou batalhas durante a II
Guerra. Mas assim como há filmes de guerra que são obras-primas e outros que
são bombas (sem trocadilho), enredos “humanos” nem sempre são profundos,
obviamente.
Algumas
histórias tristes apenas arranham a superfície das emoções – e a facilidade com
que manipulam as reações do público é inversamente proporcional à sutileza com
que retratam um determinado sentimento. Melodramas do tipo Uma Janela para o
Céu (clássico Kleenex dos anos 70 que costumava extrair hectolitros de lágrimas
das plateias), programas de auditório e filmes publicitários estão aí para
provar que a fórmula do choro é bem menos misteriosa do que a fórmula da
Coca-Cola.
Talvez
a origem da desconfiança do David venha da constatação de que algumas histórias
tristes praticam uma espécie de estelionato emocional no espectador. É verdade
que muitos sairão de Uma Janela para o Céu com os olhos vermelhos, mas
satisfeitos pelo efeito catártico do filme: chorar pelo sofrimento alheio de
certa forma alivia as nossas próprias mágoas represadas.
O
espectador mais exigente, porém, talvez perceba que filmes desse tipo costumam
aplicar golpes baixos de sentimentalismo. (Para esses, o sofrimento de estar no
cinema acaba sendo maior do que qualquer via-crúcis do personagem. )
Algumas
histórias são tão tristes, que nem sequer fazem chorar – e essas são as
melhores. É o caso do filme Amor, de Michael Haneke, em cartaz em Porto Alegre.
Poucas vezes você vai assistir a um filme tão dilacerante na crueza com que
retrata a convivência de um casal de idosos lidando com uma doença debilitante.
Nada ali, porém, é gratuito ou foi pensado para fazer você chorar – e talvez o
filme seja mais impactante exatamente porque não nos oferece o alívio da
lágrima fácil.
Nem
todos viveremos as perdas, as dores ou as angústias morais que nos levam a
questionar tudo o que sabemos (ou achamos que sabemos) a respeito de nós mesmos
e dos outros – e mesmo quando acontece de estarmos muito próximos desse tipo de
sofrimento nem sempre teremos condições de extrair algum tipo de sentido disso.
Por
que assistir a um filme sobre a dor quando há tantas comédias disputando a
nossa atenção e a vida real nem sempre nos dá refresco? Porque há algo a
respeito da confusa, dolorosa e inabarcável experiência humana que apenas a
grande arte é capaz de nos revelar.
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