13
de janeiro de 2013 | N° 17311
PAULO
SANT’ANA
Recordações
Pensei
muito, durante as férias, que sou do tempo em que sutiã se chamava corpinho e
chuteira se chamava botina. Sou do tempo em que vestido de mulher se chamava
costume e do tempo em que nenhum político no governo roubava.
Sou
do tempo em que jogo de cartas era carteio. Sou do tempo do realejo passando
poético pelas ruas, do anil Reckitt. Do tempo em que se vendiam no armazém de
meio de quadra o fumo em rama, o solvente e o querosene.
Sou
do tempo em que bodoque se chamava funda. Sou do tempo em que as donzelas se
casavam virgens. Se uma delas se casasse sem o hímen, o recém-marido tinha o
direito de dissolver na Justiça o casamento e devolver a moça para os pais
dela. Meu Deus, a humilhação que sofria a pobrezinha, para o resto da vida!
Sou
do tempo em que, meu Deus, se comiam canjica e mogango com leite. Sou do tempo
em que se usavam, para proteger ou enfeitar os sapatos masculinos, polainas,
com tempo bom; galochas, quando chovia.
Sou
do tempo em que se matava a cobra e se mostrava o pau. Era o tempo em que nado
sem estilo se chamava mata-cobra. Sou do tempo em que se disputava tudo com o
par ou ímpar nos dedos da mão.
Sou
do tempo em que armazém dentro de quartel se chamava cantina. Sou do tempo em
que se tiravam nos bailes as senhoritas para dançar e, se elas se recusassem,
isso era uma grave desfeita.
Sou
do tempo do confete, da serpentina e do lança-perfume que mais se cheirava do
que se lançava. Sou do tempo da bolinha de inhaque e da bolinha de aço, que
curiosamente se chamava de aça. No jogo da infância, esta última levava todas
as de vidro pela frente.
Sou
do tempo do bilboquê, do ioiô, do bambolê, do jogo de casinha derrubada,
ciranda-cirandinha, do tempo em que se provava aos pais ou aos delegados de
polícia que não se estava embriagado fazendo um quatro ao cruzar as pernas.
Sou
do tempo em que se fumava escondido, do tempo em que não se beijava a namorada
e só se namorava com ela sentados os dois no sofá da sala da casa dela, mas
para isso se providenciava (incrível!) uma pessoa como testemunha daquele
namoro, chamada de chá de pera, que permanecia durante duas horas diante dos
enamorados.
Sou
do tempo do bonde Teresópolis até a Pedreira, do bonde Partenon até a Rua Luiz
de Camões, do bonde Petrópolis até a Rua João Abbott.
Sou
do tempo das caneleiras, das joelheiras e das tubigeiras, que protegiam os tornozelos
no futebol. Sou do tempo das imperdíveis matinês dos domingos, nos cinemas
Brasil e Miramar.
Ah,
que saudade desses tempos, brotam-me lágrimas nos olhos quando os rememoro. E
isso só prova que tanto era melhor viver naqueles tempos, o que talvez seja uma
tolice definir, quanto que estou para lá de decrépito.
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