29
de janeiro de 2013 | N° 17327
FABRÍCIO
CARPINEJAR
A paixão acontece
Se
você recusou sua rotina, deixou de fazer aquilo que mais gostava em nome de
alguém, torrou seus bens, abandonou os amigos e os prazeres mais fundamentais,
isso não é amor, é paixão.
A
paixão é uma fatalidade, o amor é uma escolha.
A
paixão é egoísta, o amor é generoso.
A
paixão é renúncia, o amor é recomeço.
A
paixão arrebenta, o amor adapta.
A
paixão é confinamento, o amor é abrigo.
Não
há paixão pequena, paixão simbólica, paixão discreta: é grandiosa no início e
escandalosa no final.
Não
recomendo, muito menos desaconselho: é experiência para os fortes.
Nada
do que viveu antes terá sentido, nada do que possa viver depois terá sentido. Conjugará
interminavelmente o presente do indicativo.
Atingirá
um extremo emocional perigoso: você passa a ser do outro em tempo integral. Conhecerá
sua pior crise de nervos, seu mais fundo estresse emocional, seu mais absurdo
esgotamento da memória, sua mais humilhante falência financeira.
Uma
vez apaixonado, você rejuvenesce 10 anos em 10 horas. Mas, uma vez
desapaixonado, você envelhece 10 anos em 10 horas.
A
paixão ou é imensa, ou não é. Ela não pede desculpa, não negocia: equivale a
uma dependência química em seu estado mais selvagem.
É o
equivalente ao sequestro de uma vida. A própria vida. Você é o sequestrador e o
refém ao mesmo tempo.
Não
há desconto, adiamentos, pechincha. A paixão exige pagamento à vista, execução
sumária.
Nunca
vi nenhum apaixonado transferir compromisso para o dia seguinte, ele somente
antecipa.
Não é
que a paixão seja rápida, é devastadora, não sobra coisa alguma para continuar.
O
apaixonado não abre negócios, mas fecha portas. Não areja a cabeça, não tem
grandes ideias, não combate preconceitos, emburrece progressivamente, a ponto
de só ter um número para ligar e um lugar para ir.
Ele
não tem sangue-frio, não raciocina, não elabora planos, não arruma álibis.
A
paixão é um crime malfeito, facilmente descoberto.
Os
envolvidos desprezam o mundo, não se importam se estão sendo vistos, se beijam
em público, se são casados, noivos ou recém-viúvos, se serão criticados pelos
vizinhos e familiares.
O
apaixonado joga tudo para o alto e não fica para segurar nada.
Ele
não tem discernimento, não lê jornal, perde sua capacidade de decidir sobre a
trajetória. Apresenta a superstição de um velho, a intuição de uma criança.
É um
idiota sábio. Idiota porque não se defende da tristeza, sábio porque não se
protege da alegria.
Não
existe mais bom e ruim, certo e errado, esquerda e direita. Não tem sentido
julgar. Não tem como se orgulhar do que foi realizado, muito menos se
arrepender.
Você
muda de personalidade, larga trabalho, descuida da família para se dedicar
inteiramente a não pensar e somente sentir.
Não
podemos nem dizer se a paixão ajuda ou atrapalha, ela acontece.
É uma
tragédia feliz, uma sorte azarada.
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