segunda-feira, 14 de janeiro de 2013



Dilma precisa de coragem para ir do discurso à prática

EX-PROFESSOR DA PRESIDENTE NA UNICAMP NOS ANOS 70, ECONOMISTA CRITICA A POLÍTICA DE ENERGIA E DÁ NOTA 5 OU 6 PARA A PRÁTICA DA ATUAL ADMINISTRAÇÃO

Regis Filho
          

Carlos Lessa, que foi professor de Dilma na Unicamp - ELEONORA DE LUCENA - DE SÃO PAULO

A presidente Dilma Rousseff é desenvolvimentista, mas continua fazendo uma política de estabilização. Ela tem boas ideias, porém "não tem coragem de pô-las em prática". O diagnóstico é de Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa, ex-professor de Dilma na Unicamp na disciplina de economia brasileira.

Ex-presidente do BNDES (governo Lula) e ex-reitor da UFRJ, Lessa, 76, dá nota 9 para o discurso da presidente e 6 ou 5 para a sua prática.

Eleitor de Serra, de quem foi padrinho de casamento, Lessa ataca a privatização no setor de energia e o modelo adotado a partir dos anos 1990. A seguir, os principais pontos da entrevista.

Modelo brasileiro

A grande pergunta é: para onde vamos? Se tivermos mobilização nacional, um entendimento claro de qual é o projeto nacional e coerência dos diversos personagens em relação a isso, a possibilidade de construí-lo aumenta enormemente. Na minha visão, o Brasil continua apostando na globalização, apesar da crise mundial dessa globalização.

Desnacionalização

A desnacionalização trouxe uma porção de defeitos. O mais elementar é que ela confirma cada vez mais a dependência de suprimentos do exterior e a necessidade de investir voltado para fora. O país fica cada vez mais amarrado à opção de ser um componente da periferia mundial. Quando há desnacionalização, o país passa a ser apenas um comprador de tecnologia, na melhor das hipóteses.

Baixo crescimento

A desnacionalização explica muitas coisas. E o setor público não investe com clareza para apontar para onde o Brasil irá. O setor público continua prisioneiro do "Consenso de Washington". Continua usando o modelo de metas da inflação, apesar de os europeus já estarem abandonando esse modelo. O Brasil continua fazendo uma política que prioritariamente é de estabilização, não de desenvolvimento. Mas faz um discurso a favor do desenvolvimento.

Dilma desenvolvimentista

Foi minha aluna, é inteligente. Tem ideias, em princípio, boas. Ela não tem coragem de pô-las em prática. Faz o enunciado, mas não o coloca em prática. Não gosto de dar nota. Mas, em relação às coisas que ela sugere, daria nota 9. Para o que ela faz, dou nota 6 ou 5.

Ela diz que é necessário abaixar a taxa de juros. Concordo integralmente. Então é preciso fazer uma política consistente para baixar para valer. Teria que mexer na taxa de juros do BC, na dívida púbica, tornar cada vez mais difícil essa corrida em cima dos títulos de dívida pública.

Tinha que lançar uma proposta de imposto de exportação para poder voltar a desvalorizar o câmbio para valer. Elevar o dólar de R$ 2 para R$ 3. É muito? Note que, no Planalto, a borrachinha de apagar e o lápis são chineses.

Investimento público

O investimento público sofre limitações terríveis. Eu apostava que o petróleo ajudaria o Brasil a encontrar uma frente de expansão. Não encontrou. Ao contrário, o que vejo é um discurso cada vez mais duvidoso em relação à Petrobras.

Petrobras

Vejo a Petrobras vendendo refinarias no exterior, dizendo que está perdendo dinheiro com gasolina, com gás de cozinha. Isso faz os empresários brasileiros duvidarem de que a Petrobras tocará para a frente o seu programa. Aí, se a Petrobras não vai, serei eu, dono da lanchonete da esquina, que vou apostar no crescimento brasileiro?

Energia

O Brasil vinha construindo uma estrutura energética que era a melhor do planeta, que quase não dependia de petróleo, carvão, gás.

Veio uma coisa surrealista: foi reduzido espetacularmente o peso da energia elétrica dentro da matriz. Começa com Collor, avança com Fernando Henrique e é absolutamente confirmada nos governos Lula e Dilma.

Privatização

No caso da energia elétrica, [a privatização] é um desastre de proporções colossais. O Brasil tinha um dos mais baixos custos de energia elétrica do planeta. Adotou-se o preço pela energia mais cara que está sendo produzida.

Fizeram no Brasil uma coisa surrealista. As térmicas empurraram para cima de uma maneira espetacular o preço da energia elétrica.

Empresário nacional

Como se faz uma globalização e, ao mesmo tempo, reserva os segmentos dinâmicos dessa globalização em mãos nacionais? É muito difícil. Quando o empresário nacional é muito robusto e poderoso, pula para fora do Brasil e tenta reproduzir o padrão das múltis bem-sucedidas.

O empresário tem a visão de empresário. Se tivessem uma visão nacional, estariam discutindo e debatendo um projeto nacional.

Minérios

Os chineses não são bobos e vão desenvolver sua própria Vale na África. Por mais algum tempo, a Vale irá muito bem, mas, a longo prazo, ela irá mal enquanto exportadora de minério de ferro. Se desaparecer a conexão importante com a China, o Brasil vai ficar num mato sem cachorro.

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