22
de janeiro de 2013 | N° 17320
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Nosso preconceito com o
vegetarianismo
Não
valorizamos os vegetarianos. Não reconhecemos os vegetarianos. Somos injustos
com quem não come carne.
O
estilo de vida é interpretado como uma deficiência, ainda mais no Rio Grande do
Sul, onde imperam as churrascarias.
Ao
conversar com um vegetariano, sempre quero convertê-lo. Ponho a batina. Fico
moralista. Latinizo meu sotaque.
Reedito
o embate ancestral entre o jesuíta e o índio. Ele precisa encontrar o Deus da
Picanha. Não posso deixá-lo perecer longe do paraíso de um faisão temperado.
Preocupo-me
com seu destino de pecador. Toca-me a vontade social de estender meus hábitos e
dividir a conta no açougue.
Não
comer carne é identificado como um trauma, algo de grave aconteceu para abdicar
das delícias naturais. Ninguém abandonaria em sã consciência um filé selado e
cheio de molho para passar o pão.
Talvez
o sujeito guarde a lembrança de ovelha sendo descarnada na infância, e
simplesmente sofra de nojo.
É olhar
um vegetariano que desejo pagar terapia para ele. Sou tomado de um calor
paternal, me dá esperanças de rifa.
Na
verdade, sou como a maioria dos gaúchos. De mentalidade delirante e
preconceituosa.
Desconfio
da dieta. Confundo com teimosia, charme, que é insistir um pouco que o
vegetariano abandona sua horta e desanda a chupar uma ripa da costela.
É impossível
que seja feliz despeitando seu instinto primitivo, desrespeitando a tábua de
salvação do espeto e dos amigos.
Nem
posso discutir com um vegetariano, que meu impulso é trazê-lo para perto de uma
churrasqueira.
Nem
posso debater com um vegetariano, que meu impulso é comprar carvão e engradados
de cerveja.
Por
mais que acumule MBA, não assimilo a escolha madura e acertada, feita para
melhorar a saúde e assegurar a longevidade. Avalio como um atentado ao prazer
da mesa, uma renúncia carnal.
É totalmente
louco de minha parte. Merecia ser internado numa fazenda hippie.
Enxergo
o vegetariano como alguém que desistiu do sexo, que optou pela abstinência. Cometo
gafes a torto e a direito. Pergunto, inclusive, quantos dias ele está “jejuando”.
É evidente
minha descrença, a falta de lógica e de civilidade do juízo.
Tenho
pena visceral, comparo o vegetariano a um prisioneiro eterno da Sexta-Feira da
Paixão. Condenado a repetir esse dia de privação pelo resto dos dias. Sem à la
minuta. Sem xis bacon.
Sou
curioso com o vegetariano, como se ele portasse doença rara. A curiosidade
indica o preconceito. Faço perguntas destravadas e inconsequentes para entender
como que ele funciona.
Não
termino de questioná-lo. Não haverá outro assunto, a não ser a dinâmica de sua
dieta e a origem de sua dieta.
E
descubro, no fundo, que ele odeia ser chamado de vegetariano, que deveria
estudar antes de falar bobagem.
Pois
o vegetariano tem mais facções que o PT e todas as alas brigam pelo poder da
velhice.
É o
semivegetarianismo, o ovolactovegetarianismo, o lactovegetarianismo, o
ovovegetarianismo, o vegetarianismo semiestrito e o vegetarianismo estrito.
Viver
já foi bem mais fácil, e conviver também.
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