DANUZA LEÃO
As
classes sociais
A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês
daquele garçom; o que se passa na cabeça dele?
Aí você sai para jantar com amigos e vai a um restaurante
bem chique. O maître, que de paletó preto e calça listada parece até um noivo,
é cheio de gentilezas; faz maneirismos, propõe pratos interessantíssimos e
ainda diz que o chef pode fazer qualquer coisa que você invente, só para te dar
prazer.
Por outro lado, os garçons não deixam seu copo ficar vazio
um só instante, e ficam de olho para ver se o pão acabou, se o guardanapo caiu
no chão, tudo para seu conforto e felicidade.
Aí, uma noite você volta ao mesmo restaurante e, como o
clima está bom, a bebida descendo bem e todos alegres, a noite vai passando, as
outras mesas vão indo embora, menos a sua, que vai ficando, ficando, até ser a
única que sobrou.
Lá pelas tantas os funcionários começam a ir embora; um dos
maîtres, daqueles tão elegantes, sai vestindo uma camisa de algodão feia e de
má qualidade, com uma capanga debaixo do braço. Aos poucos vão saindo os
garçons; a maioria usa camiseta com uma estampa, algumas do seu time do
coração, todos loucos para chegar em casa e poder descansar. Aí então você tem
uma súbita percepção da realidade, pensa que passou a noite num teatro, e mais:
fazendo parte do espetáculo.
Aqueles funcionários tão educados e de tão boas maneiras são
pessoas que passam parte da vida representando, e depois de lidar com as
comidas e bebidas mais caras, quando terminam o trabalho vão esperar o ônibus
para voltar para casa, uma casa modesta onde alguém está esperando: a mãe, uma
namorada, ou mulher e filhos já dormindo, já que não puderam sair mais cedo
porque seu grupo ficou dando risada e dizendo bobagem.
É curioso que esses garçons, que te tratam tão bem, não se
despedem quando estão indo embora. Na hora da volta à realidade, quando o
espetáculo termina -já na vida real, portanto-, garçons não falam com clientes.
Já pensou encontrar na praia, que é o lugar mais democrático que existe, aquele
que é tão solícito e simpático, vocês dois de calção? Vão sorrir um para o
outro da mesma maneira? Provavelmente não vão nem se reconhecer.
Você bebe seu penúltimo drinque pensando nessas loucuras da
vida. A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês daquele
garçom; o que se passa na cabeça dele? Será que fica feliz porque tem gente
consumindo, o que é a segurança do seu emprego, ou enquanto serve e é gentil
pensa no preço do vinho italiano e tem vontade de quebrar a garrafa -cheia- na
cabeça do cliente que já pediu mais uma?
Não necessariamente para matar, só para fazer aquele
estrago, e exatamente na cabeça daquele que dá as maiores gorjetas. E alguém
tem o direito de dar uma gorjeta, alta ou baixa, só porque quer? Porque pode? É
muita humilhação.
Mas não faz nada; dentro de sua relativa ignorância -ou
sabedoria-, sabe que pegaria vários anos de cadeia se fizesse o que está com
vontade de fazer, e sabe também que ninguém entenderia. Afinal, sempre foi
considerado um funcionário exemplar.
Ela vê tudo isso como se fosse um filme; toma mais um
drinque, o último, dá várias risadas, as últimas, e vai para casa pensando se
não seria mais feliz se não pensasse em tanta bobagem.
Tanta bobagem?
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