17
de janeiro de 2013 | N° 17315
L.
F. VERISSIMO
Tia
Peregrina
Velha
piada: qual é a diferença entre um visitante francês e um visitante judeu? O
visitante francês vai embora sem se despedir, o judeu se despede mas não vai
embora. Nós tínhamos uma tia – a famosa tia Peregrina – que seguia o método
judeu.
Quando
a tia Peregrina começava a se preparar para sair, sabíamos que aquilo era
apenas o início de uma longa retirada, prolongada por assuntos que ainda não
tinham sido tratados. A tia Peregrina podia ficar em silêncio durante toda a
visita, mas na sua saída começavam a brotar assuntos e fofocas e revelações que
tinham ficado esquecidas, todas lembradas pela tia Peregrina.
A
migração da tia Peregrina da sua cadeira até a calçada, que era onde a conversa
ficava mais animada, podia levar horas. E se alguém sugerisse que voltassem
para a sala e sentassem-se de novo para continuar a conversa, a tia Peregrina
era a primeira a protestar:
–
Não, não. Estou indo embora. Já me despedi de todo o mundo. E não ia embora.
Durante
muitos anos, a tia Peregrina fez parte do folclore da família. Quando alguém se
atrasava para sair de casa, ouvia: – Vamos, tia Peregrina!
Até
amigos que nunca conheceram a tia Peregrina, mas conheciam sua fama, a evocavam
para desculpar um atraso. – Epa, desculpe. Dei uma de tia Peregrina.
Confesso
que não sei qual era o parentesco dela conosco, nem que fim levou. Parte do seu
hábitat, a calçada onde todas as conversas terminavam, ficou inabitável. Mas
duvido que assaltantes e balas perdidas fossem impedi-la de contar a última.
Sempre
imagino a tia Peregrina sendo velada e, no momento em que vão tampar o caixão, levantando
o dedo e dizendo: – Esperem, tem uma que eu não contei.
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