26
de janeiro de 2013 | N° 17324
CLÁUDIA
LAITANO
Infelizes a sua maneira
O
que Tolstoi disse nas célebres primeiras linhas de Anna Karenina (que as
famílias felizes se parecem e as infelizes sofrem cada uma a sua maneira) vale
também para os países. Há infelicidades muito específicas no Haiti, no Irã, nos
Estados Unidos, na Noruega, no Brasil.
Há
pouco mais de um ano, participei de um congresso, em Joanesburgo, que reunia
editores do Brasil, da África do Sul e da Índia. Lá estávamos nós, um pequeno
grupo de seis ou sete jornalistas, aguardando a entrevista coletiva em que os
presidentes dos três países falariam sobre acordos econômicos e projetos de
conversar de igual para igual com as grandes potências, quando surgiu o assunto
das “infelicidades específicas” das mulheres de cada uma daquelas nações tão
envaidecidas da prosperidade recente e ao mesmo tempo tão comprometidas com a
miséria e o atraso.
Lembro
que as africanas falaram sobre a dificuldade de controlar a aids e sobre as
ainda visíveis feridas do apartheid. Nós, as brasileiras, mencionamos os
vergonhosos índices de violência doméstica e a singular cultura do abandono de
prole que leva os homens brasileiros a saltarem de um ninho para o outro
deixando um rastro de mulheres criando filhos sozinhas.
Não
era exatamente um duelo de desgraças, mas por algum motivo que na hora eu não
entendi a mais pessimista do grupo parecia a jornalista indiana. Minha colega
de Nova Délhi contou como as mulheres eram tratadas como cidadãs de segunda
categoria em algumas regiões do país, trabalhando duro fora e dentro de casa enquanto
o senhor seu marido dava ordens, cobrava desempenho – e descansava. (“Como
assim? Eles ficam em casa sem fazer nada?”, eu quis saber. “Sim, ficam.”)
Um
indiano que ouvia a conversa insistiu em lembrar que só nos lugares mais
atrasados era assim e que isso tudo estava mudando. A colega não se deu ao
trabalho de desmentir, mas o olhar dela disse tudo o que estava passando pela
sua cabeça.
Ninguém,
naquele dia, falou de estupros. Nem as africanas, para quem o problema é uma
espécie de epidemia nacional (um em cada quatro homens sul-africanos admite ter
estuprado uma menina ou uma mulher ao longo da vida, aponta pesquisa de uma
instituição médica local), nem as brasileiras (que convivem com índices altos
de violência sexual inclusive contra crianças) e muito menos a discreta e
melancólica indiana do grupo.
O
estupro seguido de morte de uma jovem estudante indiana acabou revelando um
calabouço de horrores para o resto do mundo. Na Índia, os estupros não apenas
são comuns, mas é praticamente impossível denunciá-los e punir os envolvidos. A
repercussão internacional do caso deu visibilidade a uma cultura violenta e
misógina em que a vítima costuma ser culpada pela própria agressão – e ainda é
muito cedo para saber o quanto essa morte terá servido para mudar alguma coisa.
Do
outro lado do mundo, o Brasil pode olhar para a infelicidade indiana e suspirar
aliviado porque aqui existem as Delegacias da Mulher, a Lei Maria da Penha e as
casas de passagem para atender vítimas de violência doméstica. Mas o próprio fato
de o Brasil precisar de uma lei para proteger as mulheres de maridos e
namorados violentos já mostra que não estamos tão longe assim da Índia.
Somos
como uma família que olha com superioridade para os vizinhos que não têm TV –
sem se dar conta de que mora num bairro aonde a energia elétrica ainda não
chegou.
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