BARBARA
GANCIA
Jogue a mamãe do trem
Walmor
parece ter seguido à risca as recomendações do ministro japonês, que quer ver
velhos morrendo logo
Ai! Ui!
Ói! A autoridade japonesa vai lá e dá uma declaração enxuta, navalha na carne
de tão realista, e o mundo inteiro reage fazendo biquinho, levantando a
sobrancelha e colocando a mãozinha na frente da boca. Oh, que infâmia!
Ministro
das Finanças de gabinete recém-empossado do Japão, Taro Aso, 72, afirmou sem
reticências que idosos em estado terminal deviam "se apressar e morrer"
para poupar gastos do governo com a saúde pública. Depois ainda arrematou
dizendo que recusaria qualquer tipo de tratamento médico para prolongar sua
vida.
A
reação foi instantânea. Agências de notícia, twiteiros cinco estrelas e donas
de casa de bobeira na frente da página do Facebook se apressaram em classificar
os comentários numa escala que variava entre "imprópria" e "infame".
Estou
confusa com a reação. Depois de ver a minha família passar justamente pelo calvário
que o ministro recomendou fosse evitado, eu não só lhe dou razão como aplaudo.
Veja:
nenhum de nós, Gancias, é médico. A única decisão que nos coube, naquele período
crítico, foi confiar ou não nos profissionais. Optamos por entregar a eles a
nossa sorte.
Certo,
errado, nunca saberemos o que pensar. Só posso dizer que a morte veio
coincidentemente quando o limite de grana estipulado para o tratamento pelo
seguro-saúde estava vencendo.
Fomos
colhidos por um redemoinho de incertezas naqueles anos intermináveis e, por
mais que eu buscasse aconselhamento profissional e espiritual cá e lá, para
onde quer que eu me voltasse acabava sempre topando numa muralha de silêncio e
corporativismo.
Só muito
depois da perda alguns médicos amigos do peito começaram, aos poucos, a
apontar como as coisas poderiam ter sido conduzidas, sem tamanho sofrimento e
humilhação, e não desconsiderando ética e a plena legalidade.
Não
somos uma gente desprevenida, desorganizada ou que despreza o diálogo. Ao contrário,
resolvemos encarar o problema unidos e de forma racional. Antes da doença,
quantas vezes não tínhamos o pior? Aliás, que pai ou mãe já não manifestou seu
desejo de forma explícita: "Pelo amor de Deus, nunca me deixe vegetando em
uma cama de hospital!"? Conosco não foi diferente, mas, na prática, você se
dá conta de que não decide nadinha.
Quando
soube que Walmor Chagas havia nos deixado, na possibilidade de tê-lo feito de
sua própria lavra, pensei na dignidade do gesto, na coragem e elegância de uma
decisão como essa, tomada sem consultas; na dramaticidade de um ato que remete
aos personagens vividos por Paulo Autran, Paulo José, Anselmo Duarte, Tarcísio,
Leonardo Villar...
Walmor,
que nós situávamos em outra década, parece ter seguido à risca as recomendações
do ministro japonês antes mesmo que ele as externasse. Considerando que o débito
da previdência é um tsunami que está a poucos quilômetros não só de países prósperos
com populações idosas, como da Guaratinguetá (SP) em que o ator vivia.
Especialmente
nos dias de hoje, é muito cinismo fingir que só Dino da Silva Sauro pensa em
jogar a avó do penhasco. Aumento da expectativa de vida, dramas previdenciários
e gastos e impostos ganhando os píncaros do Himalaia significam que um dia
fatalmente todos terão seu momento nutrindo a fantasia de que o idoso
dependente se vá sem traumas, no sono.
Ou
será que só o ministro percebeu que o fardo de cuidar dos idosos tornou-se um
dos maiores dramas da atualidade?
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