28
de janeiro de 2013 | N° 17326
ARTIGO
- Paulo Brossard*
Camada de
cinza
Há
substantivos que dispensam adjetivos para realçar o que enunciam. Tragédia é um
deles. Diante de uma tragédia, tudo o que se disser é ocioso. Não precisa do
socorro da adjetivação para agravar seu significado. De modo que, para
sublinhar uma tragédia, pode-se dizer quase tudo em poucas palavras.
É
nessa situação que me encontro diante da sugestão que recebo da Redação de Zero
Hora no sentido de trocar o artigo entregue ao jornal na sexta-feira, como de
costume, por outro que se aproxime do luto que domina a edição funérea em tudo
e por tudo.
Sinto-me
despojado de qualquer elemento que me possa explicar o acontecimento, mas, em
verdade, ele não tem explicação, nem essa seria consolo para ninguém. A
tragédia não se explica, não tem lógica nem desfecho aceitável. Dela, fico com
a surpresa que no caso é vizinha do terror. Refugio-me em velhas lembranças e
me lembro da cidade cujas ruas percorri tantas vezes em diversas cruzadas.
Dos
amigos desaparecidos, por todos Alberto Tomás Londero, cidadão, professor,
cientista. De sua catedral, cujos silêncios tantas vezes ouvi. De sua gente, da
cidade universitária por excelência que atraía crescente e variada população
jovem, principalmente jovem.
Nada
sei sobre o local, mas verifico se tratava de uma festa onde reinavam a
alegria, a música, a dança. Mais não sei. E me ocorre um fato que me tem
impressionado: a violência que se filtra e infiltra nas situações menos
compatíveis com ela. O canto, a música, a dança cheiram à antítese do que a ela
se relaciona. O ritmo da música, o ríctus das faces, o marcial dos movimentos
traduzem fenômeno a espelhar a desordem das emoções sentidas e externadas em
desalinho. Não sei se devera mencionar isso, mas por uma associação de ideias
repercutiram em meu espírito como ressoa na tristeza dos meus dias tristes.
A
brutalidade do ocorrido em uma casa de espetáculos na noite de sábado se me
apresenta como uma camada de cinza que apagou de repente o alarido de um bando
de moças e rapazes, reduzindo-os ao silêncio definitivo para tantos que apenas
madrugavam para as aventuras e desventuras da vida. Do que era promessa resta o
luto.
O
infortúnio foi tão inesperado, que imagino a mágoa a incorporar-se à antiga
alacridade da vida universitária. Contudo, a vida continua em sua implacável
sucessão de alegrias e tristezas, mas as marcas desse momento nunca serão
esquecidas para a cidade. Mas Santa Maria é um universo e dentro dele existem e
sobrevivem algumas pessoas. De cada uma delas, eu me lembro, embora não as
conheça pessoalmente. São os pais que não ouvirão mais as vozes de seus filhos,
nem verão o brilho dos seus olhos.
Quando
falo em pais, englobo todos os que – pais, avós, irmãos, namorados, noivos,
amigos – formam o universo afetivo que acompanha cada um de nós.
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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