22
de janeiro de 2013 | N° 17320
DAVID
COIMBRA
O médico de
Balzac
Balzac produzia movido por dois combustíveis: litros
de café e milhares de francos em dívidas. Vivia esgueirando-se da sanha dos
credores e, para acalmá-los com pagamentos eventuais, escrevia 14, 15, 16 horas
por dia. Dormia com o sol, escrevia sob a lua, madrugada afora, sem cessar,
febril.
Para
enganar os cobradores, mudava-se com frequência para pensões e registrava-se
com pseudônimos, alguns femininos. Até que, depois de muitas vicissitudes
financeiras e experimentações literárias, teve a ideia de escrever a Comédia
Humana. Percebeu que havia encontrado o caminho da luz, correu à casa da irmã
e, assim que ela abriu a porta, exclamou:
–
Estou prestes a me transformar em um gênio!
O
resto da vida Balzac passou DENTRO desta obra monumental. Tanto que, em seu
leito de morte, gritou:
–
Chamem Bianchon! Chamem Bianchon! Só ele pode me salvar!
Bianchon
é um personagem criado por Balzac, um médico que faz aparições em praticamente
todos os mais de 90 romances da Comédia Humana, tratando dos outros personagens
sem jamais ser um protagonista.
Fico
fascinado por essa história, porque ela demonstra como a ficção pode se
infiltrar na realidade, como ambas podem se misturar e tornar-se uma coisa só.
Você acredita em algo, e aquilo vai virando verdade. Independe de provas
concretas; depende de fé. Assim são as religiões, assim são as ideologias. Umas
e outras não precisam da realidade, precisam de fiéis.
No
plano muito mais superficial e muito mais amplo do futebol essas crenças
funcionam da mesma forma: o brasileiro tem habilidade inata, por isso é
superior aos jogadores de outras nações; o gaúcho é exceção no Brasil, é
jogador de garra, por isso se torna mais vencedor do que os manemolentes
jogadores do resto do país.
Duas
ficções.
Há
jogadores habilidosos em toda parte do mundo. Por algum tempo houve mais no
Brasil porque, no Brasil, joga-se mais futebol. Por que se joga mais futebol no
Brasil? Porque, como já diagnosticou o francês Henry, em outros países as
crianças estão na escola, não batendo bola na rua.
Quanto
aos times gaúchos, eles não se tornaram vencedores porque marcam, batem ou
lutam mais do que os outros. Os que se tornaram vencedores eram, simplesmente,
bons. Time de futebol tem que ser bom, ou não vence nada. A dupla Gre-Nal de
2013 está fazendo isso, montando times bons. No fim do ano, poderá ir a algum
lugar além da ficção.
O
IDEAL DE AZUL
Com
competência silenciosa, a direção do Grêmio está montando um time de respeito.
No papel, antes de pisar no gramado difamado da Arena, seria assim:
Dida;
Pará, Werley, Cris e Insúa; Fernando, Souza, Elano e Zé Roberto; Vargas e
Willian José ou Moreno.
Time
para botar faixa. Com um detalhe: um único jogador gaúcho, o volante Fernando.
O
IDEAL DE VERMELHO
O
Inter, que já tinha um bom grupo em 2012, reforçou-se pontualmente e também tem
time, pelo menos a priori:
Muriel;
Gabriel, Moledo, Juan e Kléber; Ygor, Willians, Fred e D’Alessandro; Forlán e
Damião.
O
dobro de gaúchos do Grêmio: dois, Muriel e Ygor.
Como
se vê pelo índice de gauchismo da Dupla, eles dependem mais da qualidade do que
do ideal pampiano.
Um comentário:
David, gostei muito do seu artigo! Também acho fascinante esse entrelaçamento entre ficção e realidade. Com F. Scott Fitzgerald isso também ocorria. De repente aquilo que ele colocava em seus livros acabava estranhamente acontecendo em sua vida real.
Marcio Antonio Coimbra Amed
(O nome que aparece no e-mail é um pseudônimo)(Deve ser João Moura ou John Gabriel)
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