terça-feira, 22 de janeiro de 2013



22 de janeiro de 2013 | N° 17320
DAVID COIMBRA

O médico de Balzac

Balzac produzia movido por dois combustíveis: litros de café e milhares de francos em dívidas. Vivia esgueirando-se da sanha dos credores e, para acalmá-los com pagamentos eventuais, escrevia 14, 15, 16 horas por dia. Dormia com o sol, escrevia sob a lua, madrugada afora, sem cessar, febril.

Para enganar os cobradores, mudava-se com frequência para pensões e registrava-se com pseudônimos, alguns femininos. Até que, depois de muitas vicissitudes financeiras e experimentações literárias, teve a ideia de escrever a Comédia Humana. Percebeu que havia encontrado o caminho da luz, correu à casa da irmã e, assim que ela abriu a porta, exclamou:

– Estou prestes a me transformar em um gênio!

O resto da vida Balzac passou DENTRO desta obra monumental. Tanto que, em seu leito de morte, gritou:

– Chamem Bianchon! Chamem Bianchon! Só ele pode me salvar!

Bianchon é um personagem criado por Balzac, um médico que faz aparições em praticamente todos os mais de 90 romances da Comédia Humana, tratando dos outros personagens sem jamais ser um protagonista.

Fico fascinado por essa história, porque ela demonstra como a ficção pode se infiltrar na realidade, como ambas podem se misturar e tornar-se uma coisa só. Você acredita em algo, e aquilo vai virando verdade. Independe de provas concretas; depende de fé. Assim são as religiões, assim são as ideologias. Umas e outras não precisam da realidade, precisam de fiéis.

No plano muito mais superficial e muito mais amplo do futebol essas crenças funcionam da mesma forma: o brasileiro tem habilidade inata, por isso é superior aos jogadores de outras nações; o gaúcho é exceção no Brasil, é jogador de garra, por isso se torna mais vencedor do que os manemolentes jogadores do resto do país.

Duas ficções.

Há jogadores habilidosos em toda parte do mundo. Por algum tempo houve mais no Brasil porque, no Brasil, joga-se mais futebol. Por que se joga mais futebol no Brasil? Porque, como já diagnosticou o francês Henry, em outros países as crianças estão na escola, não batendo bola na rua.

Quanto aos times gaúchos, eles não se tornaram vencedores porque marcam, batem ou lutam mais do que os outros. Os que se tornaram vencedores eram, simplesmente, bons. Time de futebol tem que ser bom, ou não vence nada. A dupla Gre-Nal de 2013 está fazendo isso, montando times bons. No fim do ano, poderá ir a algum lugar além da ficção.

O IDEAL DE AZUL

Com competência silenciosa, a direção do Grêmio está montando um time de respeito. No papel, antes de pisar no gramado difamado da Arena, seria assim:

Dida; Pará, Werley, Cris e Insúa; Fernando, Souza, Elano e Zé Roberto; Vargas e Willian José ou Moreno.

Time para botar faixa. Com um detalhe: um único jogador gaúcho, o volante Fernando.

O IDEAL DE VERMELHO

O Inter, que já tinha um bom grupo em 2012, reforçou-se pontualmente e também tem time, pelo menos a priori:

Muriel; Gabriel, Moledo, Juan e Kléber; Ygor, Willians, Fred e D’Alessandro; Forlán e Damião.

O dobro de gaúchos do Grêmio: dois, Muriel e Ygor.

Como se vê pelo índice de gauchismo da Dupla, eles dependem mais da qualidade do que do ideal pampiano.

Um comentário:

Marcio Antonio disse...

David, gostei muito do seu artigo! Também acho fascinante esse entrelaçamento entre ficção e realidade. Com F. Scott Fitzgerald isso também ocorria. De repente aquilo que ele colocava em seus livros acabava estranhamente acontecendo em sua vida real.
Marcio Antonio Coimbra Amed
(O nome que aparece no e-mail é um pseudônimo)(Deve ser João Moura ou John Gabriel)