segunda-feira, 21 de janeiro de 2013



21 de janeiro de 2013 | N° 17319
L. F. VERISSIMO

Prioridades

Engraçado como, de repente, por acidente, descobrimos nossas prioridades.

Eu tinha acabado de chegar à cidade do México para minha primeira Copa, a de 86 (eu sei, eu sei, estou numa fase de reminiscências, talvez consequência de ter quase morrido recentemente). Estava, dizia eu, no México para cobrir a Copa. Como correspondente da revista Playboy.

Meu crachá atraía olhares espantados e sorrisos maliciosos. O que a revista Playboy estava fazendo numa Copa do Mundo de futebol? Era a pergunta que eu mesmo me fazia. A Playboy era uma revista mensal. Quando eu mandasse minha matéria, a Copa ainda não teria terminado. Eu seria obrigado a comentar o que ainda não tinha acontecido.

Ou poderia escrever sobre generalidades, com ênfase no sexo (“O que realmente se passa nos vestiários de uma Copa do Mundo”), ou partir para a solução suicida: adivinhar o resultado e mandar um texto entusiasmado festejando o campeão – o Brasil, obviamente. Como todos se lembram, em 86 ganhou a Argentina, pela mão do Maradona. Acabei, se me lembro bem, escrevendo sobre a possível origem do futebol entre os astecas. Enfatizando o sexo, claro.

Bom: estava eu recém chegado à cidade do México. Como havia algum problema a ser resolvido quanto à minha reserva num hotel na cidade, passei a primeira noite num hotel perto do aeroporto. Recém tinha me deitado quando o quarto começou a tremer. Terremoto!

Depois da dor de barriga, o terremoto era o segundo maior temor de quem chegava ao México. E eu estava no meio de um terremoto na minha primeira noite! Saltei da cama, botei as calças e olhei em volta, me perguntando: “O que mais?”. Corri para o banheiro e peguei um chumaço de lenços de papel. No meio do cataclismo, tinha instintivamente resolvido que nada era mais importante do que ter com que limpar os óculos.

O quarto parou de tremer antes que eu chegasse à porta. Me dei conta de que não tinha sido terremoto mas um avião decolando do aeroporto ao lado. O episódio pelo menos valeu para que eu me conhecesse melhor. Ou para que minha autoestranheza aumentasse.

Ah, também tive dor de barriga. Mas isso todo mundo teve.

Um comentário:

Rosa Fischer disse...

Você tem, por acaso, uma crônica do Veríssimo, de janeiro de 2013, acho que faz uns 15 dias, em que ele escreveu sobre as situações de alívio, em que dizemos aaahhh!. por exemplo, quando pensamos nos compromissos de segunda-feira, achando que já é domingo, e descobrimos, aliviados, que ainda é sábado... Gostaria muito de ter esse texto.
Obrigada,
Rosa Maria Fischer (rosabfischer@gmail.com)