14
de janeiro de 2013 | N° 17312
L.
F. VERISSIMO
Dois na cama
Nos
anos 30, reagindo a uma onda de protestos contra a “licenciosidade” nos filmes
de Hollywood, a indústria cinematográfica americana criou um código determinando
o que o público podia e não podia ver na tela. Nudez nem pensar, beijo de boca
aberta esquece, sexo só sugerido e assim mesmo dentro de certos limites
específicos. Homem e mulher, mesmo casados, não podiam aparecer na mesma cama.
Durante
os anos de vigência do código puritano, cama de casal – e tudo que ela
implicava – era proibida, a não ser que fosse ocupada por uma só pessoa.
Com
uma exceção, como sacou o Ruy Castro numa das suas colunas recentes na “Folha”:
o Gordo e o Magro. Há várias cenas nos filmes do Gordo e o Magro em que os dois
dormem juntos na mesma cama de casal – isso quando o sono não é interrompido
por um fantasma ou uma briga pelo cobertor.
E
ninguém, que se saiba, jamais protestou contra os dois homens numa cama só.
Talvez porque a ideia do Gordo e o Magro fazendo sexo não tenha ocorrido nem à
mente mais suja ou mais puritana. Ou talvez se concedesse a uma dupla
humorística, cujo fato de ser inseparável fazia parte da sua graça, uma licença
que outros casais da tela não tinham.
O
curioso é que justamente nessa fase em que o puritanismo reinou, alerta contra
qualquer alusão sexual, por menos explícita que fosse, ninguém prestava
atenção, por exemplo, no estranho relacionamento do Batman com o Robin. Nunca
se soube se os dois dormiam juntos, mas essa seria uma especulação natural numa
época tão fixada em sexo e seus subterfúgios.
Mas
só se começou a fazer este tipo de interpretação – o Zorro e o Tonto
representando o colonialismo branco e a submissão do índio, mas certamente dormindo
agarradinhos no frio das planícies – tempos depois, quando o ridículo código já
tinha acabado, e as camas de casais podiam ser ocupadas por três ou quatro de
sexos diferentes.
Mas
entende-se. O puritanismo é uma espécie de inocência. Concentra-se tanto no
rabo do vizinho, que não vê mais nada.
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