19
de janeiro de 2013 | N° 17317
CLÁUDIA
LAITANO
Bons costumes
Algumas
expressões têm a curiosa capacidade de evocar ideias exatamente opostas à do
seu sentido original. “Decência”, por exemplo. Você ouve a palavra e
imediatamente é atingido por uma incontrolável avalanche de pensamentos
indecorosos. “Político honesto”: não importa o quanto você se esforce para
lembrar de todos os homens públicos de bem que você conhece, ao ouvir essa
expressão é em uma camarilha de pilantras da pior espécie que você vai pensar.
Outra
ilustre representante dessa linhagem de palavras vira-casacas é “bons costumes”.
Nada evoca menos um rol de comportamentos razoáveis do que essa expressão que
recende ao perfume adocicado das viúvas rancorosas dos romances de época: falou
em “bons costumes”, e eu lembro na hora de segredos de alcova e sacanagens
reprimidas.
Imagino
(espero) que a deputada estadual Myrian Rios não tenha pensado em nada disso ao
redigir o projeto de lei, sancionado esta semana pelo governador do Rio de
Janeiro, Sérgio Cabral, que propõe a genérica “promoção da moral e dos bons
costumes”. O problema com os “bons costumes” é precisamente este: a gente nunca
sabe muito bem o que as pessoas têm em mente quando defendem a sua causa.
O
que quer que sejam, uma coisa é certa: bons costumes mudam conforme a época, o
lugar e a ocasião. Você pode achar que não fica bem uma moça desfilar sem a
parte de cima do biquíni em Tramandaí – e é provável que a maioria das pessoas
que frequentam aquela praia concorde com isso. Mas se você estiver na Praia da
Galheta, em Floripa, ou na Praia do Pinho, em Camboriú, prepare-se para aceitar
uma ideia um pouco diferente de figurino adequado para o local.
Jânio
Quadros achou que poderia salvar o Brasil da decadência moral proibindo o biquíni
em 1961. A ex-atriz, ex-mulher de Roberto Carlos e atual missionária talvez
seja a favor da eliminação do sexo para fins recreativos (a deputada já anunciou
que não transa há 10 anos) e da sunga branca na praia. Vai saber. Jânio e
Myrian Rios têm em comum não apenas a sanha moralista, mas a excêntrica
circunstância de terem sido eleitos – o que permitiu que seus delírios
reformistas tomassem a dimensão de um assunto público.
Fascinada
pela nostalgia de um passado idealizado e irrecuperável, a patrulha da moral e
dos bons costumes ignora a complexidade do mundo e alimenta a ingênua fantasia
de que é capaz de corrigir a sua rota – de volta para um lugar onde
provavelmente nunca esteve.
Hábitos
e práticas considerados adequados ou aceitáveis são, como todos os organismos
vivos, produtos de adaptação, mutação e evolução. Algumas convicções a respeito
da vida privada que passavam como verdade absoluta há pouco tempo hoje são
questionadas, simplesmente porque mais e mais pessoas foram aprendendo a pensar
de forma diferente.
Certas
ideias e crenças vão se tornando, assim, tão anacrônicas quanto os dinossauros
e os pássaros dodô – e não será surpreendente se acabarem tendo o mesmo final
que eles.
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