19
de janeiro de 2013 | N° 17317
NILSON SOUZA
Meninos
e tigres
Gosto
de Calvin e de seu tigre de pelúcia que ganha vida na tirinha do norte-americano
Bill Watterson, ainda publicada por vários jornais do mundo embora o autor já tenha
parado de produzi-la há mais de uma década. Fiquei pensando no menino inocente
dos quadrinhos depois de ver o filme As Aventuras de Pi, especialmente por uma
breve cena que reproduzo aqui sem qualquer prejuízo a quem não foi ainda ao
cinema conferir um dos favoritos ao Oscar.
Em
determinado momento, o garoto indiano tenta dar um pedaço de carne na boca do
tigre-de-bengala que está numa jaula do zoológico da família. Ao ser
repreendido pelo pai, devido ao risco que correu, o jovem argumenta que animais
têm alma e que viu isso nos olhos da fera.
– Quando
olha nos olhos dele, você vê suas emoções refletidas, nada mais – esclarece o
pai.
É o
que Calvin também vê no seu brinquedo. Talvez seja também o que muitos de nós
vemos nos nossos animais domésticos. Eles têm alma, sim: a nossa alma. Podem
ser dóceis como o companheiro de Calvin, que depende da sua imaginação para
agir. E podem ser ameaçadores como Richard Parker, que é como se chama o
majestoso animal criado especialmente pela computação gráfica para enfrentar o
mar bravio a bordo de um bote salva-vidas.
Não é
um tigre de verdade – a gente sabe disso, como talvez Calvin também saiba em
relação ao seu Haroldo. Mas vá dizer isso para o jovem Pi ou para os milhões de
espectadores que sofrem e se emocionam com a impressionante aventura dos náufragos
improváveis – um adolescente e uma fera carnívora convivendo por dias seguidos
no espaço exíguo do barco perdido na imensidão do oceano.
Se
você ainda não viu, vá correndo ao cinema.
Se
viu, por favor me acompanhe nesta reflexão, que é uma das milhares de
interpretações da enigmática obra. Será que, entre tantas possíveis mensagens,
os autores desta obra coletiva (que começou com o nosso Scliar, continuou com o
seu plagiador Yann Martel e terminou nas mãos do diretor Ang Lee) não quiseram
mostrar que todos nós carregamos nossos tigres interiores e que eles refletem
exatamente o nosso estado de alma?
Bom,
é só mais uma minhoca das muitas que ficam na nossa cabeça depois do espetáculo.
Pelo que li e ouvi, o público se divide: alguns espectadores acharam o filme
espetacular, outros o consideraram fantasioso demais e, evidentemente, tem também
quem simplesmente o classifique como chato.
Talvez,
como no ensinamento do pai de Pi, estejamos apenas vendo nossas emoções
refletidas.
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