domingo, 13 de janeiro de 2013



13 de janeiro de 2013 | N° 17311O CÓDIGO
DAVID | DAVID COIMBRA

SAL, S0L, SUL

O verão pode ser um tempo de aflições. Eu, que sou um romântico, já vivi dias angustiantes nessa estação de sol e sal, azul e amarelo, cerveja gelada e biquínis sumários. Sim, isso tudo simboliza a alegria e a vida estuante, sim, sim, mas, às vezes, todas essas possibilidades podem gerar... dor.

Explico.

A maior dor de um tempo de festa acontece quando você não está na festa. Você está aqui e a festa está em outro lugar. Por mais que você vá atrás da festa, ela está sempre em outra parte, fugindo de você, como o fim de um corredor de pesadelo.

Lembro dos tempos da propaganda da Imcosul. A Imcosul era uma rede de lojas do varejo. Por que levava o eme antes do ce, isso não sei, embora me perturbasse gramaticalmente. Devia ser alguma sigla.

Ocorre que, no verão, a Imcosul veiculava comerciais na TV mostrando as pessoas douradas que viviam à beira da praia entre dezembro e março. Elas riam e corriam, comiam e bebiam, namoravam e paqueravam, elas, enfim, usufruíam do bom da vida, sempre sob o jingle: sol, sal, sul, Imcosul.

Sal, sol, sul, Imcosul! Era o lema de uma existência colorida e leve, como deve ser a existência. Oh, eu via aqueles anúncios e pensava que as pessoas na Orla, essas sim, eram felizes. Mas eu não podia ir para a Orla, por óbvios impedimentos orçamentários. Então, ficava por aqui, sobre o asfalto e sob a canícula, suspirando, achando que nada podia ser pior.

Até que piorou.

Por causa da Alice.

Namorei a Alice mais ou menos entre os 12 e os 16 anos. Era uma morena tipo Juliana Paes, só que mais bonita. Ah, eu era louco pela Alice, mas havia um problema: o pai dela tinha uma maldita casa na maldita praia de Imbituba. Imbituba, cara! Um lugar distante, muito mais distante naquela época. Inóspito, eu diria. Mas, assim que terminavam as aulas, a Alice se despedia de mim com aquele seu sorriso cheio de luzes e promessas e seguia no Fusca do pai dela para o longínquo litoral catarinense. Só voltaria quando as aulas recomeçassem. Quase três meses depois, portanto. E eu em Porto Alegre, vendo o comercial da Imcosul na TV: sal, sol, sul.

Ah, claro, lembre-se ainda que naquela época não havia internet, nem celular. E eu nem tinha telefone em casa! Comunicação, só por carta, mas quem diz que as cartas chegavam a Imbituba, aquele local remoto?

Passava dois meses no escuro, pensando no que Alice estaria fazendo dentro do seu minúsculo biquíni, às franjas do mar de Imbituba. Quando o outono chegava, Alice voltava, reluzindo feito uma lontra, a morenice exuberante contrastando com a minha palidez. Eu engolia em seco e perguntava que tal tinha sido Imbituba. Ela sorvia o ar da Zona Norte porto-alegrense, fitava o vazio, sorria um sorriso misterioso e miava:

– Ai, foi tãããão booom...

Mas que Crispittking@$$@!”!@¨%&*wolfrembaer!!!

As gurias da facul

Quando os tempos da adolescência sem grana se foram, chegaram os tempos da faculdade sem grana. Mas ao menos eu já trabalhava e podia me deslocar para as fímbrias do Atlântico com meus parcos recursos. Já não me angustiava por Alice, e sim por certa colega de aula. Um dia ela me disse:

– Eu e as gurias vamos pra Tramandaí nesse fim de semana...

Fiquei todo alvoroçado. Era a minha chance! Se ela me informou que ia a praia, talvez quisesse que eu também fosse à praia. Pois eu iria. Ah, iria! Convenci os amigos de que aquele seria um fim de semana perfeito na Orla. Fomos. Sábado de manhã, partimos para Tramandaí. Chegamos ao meio-dia e tocamos para a areia.

Eu, atento feito um perdigueiro, perscrutava o movimento para ver se achava as gurias da facul. Nada. Mas não desisti. Segui vigilante, caminhando de um lado para outro, procurando sob o sol abrasador. Nada das gurias da facul. À noite, com a pele toda ardida, sublimei o sofrimento para ver se achava as gurias da facul. Nada. Nada! De madrugada, abatido, queimado, embriagado, estava sentado no meio-fio da Emancipação, quando alguém gritou:

– Olha as gurias da facul!

E elas passaram na caçamba de uma camionete dirigida por uns caras sem camisa, todas de biquíni, rindo e gritando, com os bracinhos erguidos:

– EEEEEEEEEEE!!!

Quando sumiram numa esquina, outro amigo comentou:

– Lá se foram as gurias da facul...

Na segunda-feira, perguntei para a minha colega que tal tinha sido Tramandaí. Ela sorveu o ar da Famecos, fitou o quadro negro, sorriu um sorriso misterioso e miou:

– Ai, foi tããããão booom...

Mas que Crispittking@$$@!”!@¨%&*wolfrembaer!!!

O verão pode ser, mesmo, um tempo de aflições.

O velho e o mar

Você lerá todo O velho e o mar em um único dia ocioso na Orla. Mas não se esquecerá da história pelo resto dos seus dias. Cada linha de O velho e o mar foi recortada com critério de cirurgião por Hemingway. Mas o estilo conciso e elegante está a serviço da narrativa, não há, ali, nenhum daqueles exasperantes experimentalismos literários.

Esse livro pequeno em tamanho e grande em significado pode ser lido várias vezes, que sempre trará algo novo depois do ponto final. Sorva-o agora que você está se repimpando no litoral, lance a vista para o mar imenso e imagine o protagonista do romance, o velho pescador Santiago, lá ao longe, depois do horizonte, sozinho com seus pensamentos, onde nem o seu olhar pode lhe fazer companhia.

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