16
de janeiro de 2013 | N° 17314
MARTHA
MEDEIROS
Um segundo de
distração
Peguei
um táxi rumo ao aeroporto e antes mesmo de percorrer cem metros percebi que o
motorista estava com sua atenção voltada para qualquer outro lugar, menos para
o que acontecia diante do volante, já que enviou uma mensagem pelo celular em
meio ao trânsito.
Resolvida
sua emergência, recolocou o aparelho no bolso da camisa e, quando achei que
iríamos tranquilos até o nosso destino, ele começou a procurar algo no
porta-luvas, primeiro só através do tato, mirando em frente enquanto dirigia,
até que resolveu dar uma espiada lá dentro. Foi quando se deu o estrondo.
Nossa, que susto. Metade do carro estava em cima da calçada. Por sorte, não
havia um poste e tampouco algum pedestre caminhando por ali.
Ele
subiu o cordão e estourou os dois pneus do lado direito, o dianteiro e o
traseiro. Mal havia começado seu turno de trabalho e o dia, para ele, já estava
perdido. Saí do veículo, pedi para retirar minha mala, e ele, avexado com a
situação, providenciou outro táxi para me levar ao aeroporto – mas cobrou a
corrida até ali, e paguei, porque me deu pena daquele mané, mesmo ele tendo
feito tanta gente correr risco sem necessidade. O que ele procurava de tão
importante naquele porta-luvas que não poderia esperar um sinal fechar? Mané.
Ao
dirigir, estamos constantemente sendo atraídos por coisas diversas: a bolsa que
caiu do banco durante uma travada, a troca da faixa de música, o cabelo que
está sobre os olhos e o retrovisor ajuda a ajeitar, o cartaz de promoção em
frente ao supermercado, o isqueiro perdido no porta-luvas – ah, o porta-luvas.
Tudo convida a um segundo fatal de distração.
Eu
faço muito disso também. Não há quem consiga guiar vidrado, rígido, sem piscar
nem virar o pescoço um segundinho. Digo mais: eu nem deveria dar carona para
pessoas que vejo pouco e que exigem atualização da conversa durante o trajeto,
pois isso também me tira a concentração.
E
não me aponte o dedo, somos muitos: outro dia fui levada a passear por uma
amiga que não via há anos, tínhamos milhões de assuntos pendentes e, enquanto
conversávamos, ela cometeu um bom número de barbeiragens. Ao chegarmos a sua
casa, assumiu: “Sou boa pilota só quando estou sozinha”. Nem precisava
explicar. Almas gêmeas.
Se
você também está se reconhecendo, anote: somos todos manés. Podemos causar
acidentes sérios, podemos matar e morrer só porque demos uma espiada para
checar se havia luz na janela do apartamento de um amigo e não percebemos que o
motorista da frente freou de repente. Bum.
Estando
com o carro em movimento, nada de celular, nada de passar batom, nada de juntar
o que caiu no chão, nada de espiar a vizinhança, nada de procurar bobagens no
porta-luvas, nada de conferir vitrines com o olho espichado, nada de paquerar
quem está caminhando na calçada. Dois pneus furados são uma chatice, mas o
taxista deveria comemorar o saldo daquela sua distração, e eu também. Basta um
segundo, e o “em frente” pode deixar de existir.
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