terça-feira, 15 de janeiro de 2013



15 de janeiro de 2013 | N° 17313
DAVID COIMBRA

Mandado pela mulher

Arecente passagem do Belchior por Porto Alegre me deixou compadecido. Parece que ele é comandado pela mulher de uma forma muito... como direi para não suscitar espécie?... muito consistente.

Tudo bem, cada casal que saiba das suas necessidades e vicissitudes, cada qual com seu comportamento e sua forma de viver, não serei eu a julgar os outros, mas, pelos relatos de todos que encontraram o Belchior, a mulher o arrasta facilmente para o caminho sombrio da paranoia. Por causa dela, Belchior se transformou em um artista improdutivo, que anda errante pelo Sul da América do Sul, fugindo de hotéis na curva da madrugada, vivendo de expedientes, escondendo-se de perseguidores inexistentes.

Há dois elementos nessa história que chamam a atenção. O primeiro é a paranoia. O paranoico sempre acaba tendo razão na sua paranoia. Posso demonstrar isso com um teorema:

O paranoico tem medo das outras pessoas. Por sentir medo, ele se afasta das outras pessoas ou as agride. As outras pessoas, percebendo que ele se afasta ou as agride, afastam-se dele ou o agridem. Logo, se as outras pessoas se afastam dele ou o agridem, ele tem razão em sentir medo delas.

É o que vejo em alguns personagens importantes do futebol. O D’Alessandro, por exemplo, volta e meia se queixa da perseguição da imprensa. Ora, o ano que passou não foi exatamente o melhor de D’Alessandro. Não seria esse o motivo das críticas? Não para o paranoico. Não é assim que a cabeça dele funciona.

O paranoico perfeito foi retratado num filme do Hitchcock: um homem se arrasta furtivamente pelas ruas de uma cidade, esgueira-se, esbaforido, pelos becos, as costas grudadas às paredes. Quando enfim chega ao seu quarto, abre uma fresta da cortina da janela e espia para fora. Nesse momento, desabafa:

– Só porque sou paranoico não quer dizer que não haja alguém me perseguindo.

Pobres paranoicos. Eles sempre podem estar certos. Ou não.

Outro ponto interessante na história do Belchior é a influência da mulher sobre ele. Como uma mulher pode ter tanto poder sobre um homem inteligente, bem-sucedido e querido como Belchior? Quais são suas armas? Qual é seu trunfo? Não, não é o sexo, não é nenhum malabarismo lúbrico que só ela sabe fazer. Nada disso.

É o amor.

Quando um homem se submete desta maneira a uma mulher é por estar convencido de que só ela o ama de verdade. Ele aceita a interferência dela, acata suas opiniões e até obedece as suas ordens por achar que ela faz tudo o que faz por amor, por achar que ela faz tudo pelo bem DELE. É como se ela fosse sua mãe, e o amor de mãe até pode ser sufocante, mas é incondicional.

Conheci jogadores de futebol que se tornaram vítimas dessa situação. Um goleiro do Criciúma, um grande goleiro, a mulher o comandava com a mesma energia que o traía. Quando ele estava bem com ela, o Criciúma não tomava gol. Ele era invencível. Mas, quando ela o traía, o goleiro ficava distraído e falhava miseravelmente. Por infelicidade, ela o traía com tanta frequência que o time quase foi rebaixado. Os dirigentes da época tentaram convencê-lo a trocar de mulher. Ele preferiu trocar de time. O amor. Tudo por amor.

Não é à toa que um artista como Belchior ou jogadores de futebol, como o goleiro do Criciúma, são suscetíveis desse tipo de caso. Eles estão expostos às forças do mundo. Forças do bem e do mal. Do prazer e da dor. Precisam encontrar um local seguro para se homiziar. Um lugar pleno de amor. Um coração de mãe.

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