sábado, 19 de janeiro de 2013



20 de janeiro de 2013 | N° 17318
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

MEDO DE FILME DE TERROR

Tenho medo de filme de terror. Como pode um homem adulto, pretensamente racional e até cético, sentir medo de filme de terror? Pois sinto. É mais forte do que eu. Assisto a certos filmes de terror e, depois, à noite, na cama, suspeito de espíritos malignos escondidos atrás da cortina.

Pela manhã, quando as trevas se dissipam e a luz do dia me traz de volta à limpa e reconfortante racionalidade, sei muito bem que espíritos malignos não existem, a não ser os que habitam o corpo de gente bem viva. Então, como se explica o medo que senti por causa de meros filminhos?

Aí é que está. Inocularam a superstição em mim. Racionalmente, não sou supersticioso, não acredito em coisas invisíveis, salvo quatrilhões de micróbios e o oxigênio. Mas, se porventura os níveis de racionalidade baixam devido a alguma distração da mente, crenças ancestrais começam a ganhar vulto. Aqueles troços que me diziam nas franjas da primeira infância ou que eu lia pouco depois disso. Você larga o Antigo Testamento nas mãos de um guri e ele esbarra na Quinta Visão de Amós:

“O Senhor de pé, junto do altar, Ele me disse: ‘Fere o capitel, para que estremeçam os umbrais. Quebra-os por cima das cabeças de todos; matarei à espada o que restar, sem que ninguém possa fugir ou escapar. Mesmo que desçam à Morada dos Mortos, minha mão os arrancará de lá; ainda que subam aos Céus, eu os farei descer dali; se se esconderem no cimo do Carmelo, eu os irei buscar e os tirarei de lá; se se ocultarem de meus olhos no fundo do mar, lá ordenarei ao dragão que os morda; se forem levados cativos pelos inimigos, ordenarei à espada que os mate. Terei meus olhos fixos neles. Para o seu mal, não para o seu bem’”.

Uah!, que texto poderoso. É o próprio Javé, o Impronunciável, “Aquele que É”, quem fala por meio da boca do profeta. “Mesmo que desçam à Morada dos Mortos, minha mão os arrancará de lá”. Como não se impressionar com uma frase desse quilate?

Mais tarde você compreende que o Antigo Testamento é repleto de imagens duras de um tempo duro, que o Novo Testamento é mais suave, é o Testamento do Deus do Amor, não mais do Deus dos Exércitos.

Certo.

Mas e a história do exorcismo feito por Jesus?

Ele vinha caminhando pela Galileia quando deparou com um homem possuído. Ao vê-lo, o homem se prostrou de joelhos na terra. Jesus perguntou quem habitava aquele corpo e os demônios responderam:

_ Legião, porque somos muitos.

Então, as entidades pediram clemência a Jesus. E ele permitiu que se mudassem para uma vara de porcos que por ali passava. Os diabos obedeceram, e os porcos, agora endemoninhados, se atiraram, dois mil deles, do alto de um precipício.

Que história! E que frase: “Legião, porque somos muitos”.

Some-se a isso todas pequenas, grandes e médias recomendações sobrenaturais que nos fazem para que o imponderável da existência seja menos imponderável, todas as fórmulas e amuletos que devem nos proteger contra o infortúnio futuro, todas as contramedidas que precisamos tomar para afastar feitiços, olhos gordos ou maldições, junte isso tudo e o que você terá?

Terá possibilidades. Nada concretas, é verdade, mas ainda assim possibilidades. E se tomar banho de sal grosso ajudar mesmo, por que não tomá-lo? E se cortar às unhas à noite deixar o vivente desprotegido contra as forças intangíveis do Mal, por que não cortar durante o dia, ainda que você não tema as forças intangíveis do Mal?

Por isso, decidi escrever hoje em homenagem ao orixá Oxalá, do qual nada sei, eu que sou um profundo ignorante em religiões africanas. O que sei é que, por algum motivo, 20 de janeiro é o dia de Oxalá, e um leitor, decerto sabedor dos mistérios da religião, pediu-me que escrevesse a respeito, garantindo que, se o fizesse, haveria chance de 2013 ser um tempo de paz. Pois bem. Aí está. Não será por omissão minha que este ano não será benfazejo para todos nós, caros e crédulos leitores.

Os maiores de todos os tempos

Em defesa da minha valentia tenho de ressaltar, gizar e sublinhar que foram três os filmes de terror que me puseram medo, não por acaso os três maiores filmes de terror de todos os tempos. Que são os seguintes:

1 - O Exorcista

É o número 1, de fato. Fui assisti-lo sozinho, num cinema da Praça da Alfândega, no tempo em que havia cinemas na Praça da Alfândega. Era uma sessão noturna. Das dez. Ou seja: saí para a rua à meia-noite. O vento sacudia as copas das árvores e as sombras das folhas criavam formas escuras nas calçadas e nas paredes. Olhei em volta e senti algo estranho. Era como se alguém estivesse me observando. Fiz glup e tomei a atitude mais sensata no momento: corri para a segurança da parada de ônibus.

2 - O Iluminado

Algumas cenas desse filme calaram-me fundo na alma: o menininho com a faca recitando “murder” ao contrário (red rum, red rum), a cara homicida de Jack Nicholson arrombando a porta para matar a mulher e anunciando:

– I’m home!

E uma que não foi exatamente assustadora, mas que se tornou um lema para mim: “Muito trabalho e pouca diversão, fazem de Jack um bobão”.

Mesmo no terror há espaço para a filosofia.

3 - O Bebê de Rosemary

O apartamento de Rosemary ficava no Edifício Dakota, aquele em que morava John Lennon quando foi assassinado. Bem, o assassinato foi cometido em 1980, e o filme é do fim dos anos 60, mas foi o que bastou para tornar essa história sombria ainda mais sombria duas décadas depois de seu lançamento. O Bebê de Rosemary, na verdade, é o primeiro filme de terror sutil, que se infiltra aos poucos nos nervos do espectador. Uma obra-prima. Vale o medo que produz.

O QUE LER - A Volta do Parafuso

Esse livro é um pequeno romance, ou talvez seja um conto grande, sei lá, de Henry James, um americano que se naturalizou britânico no século 19. O grande trunfo do livro é o estilo de James. Ele mantém a história o tempo todo sobre o fio da navalha, num clima de tensão e mistério que, mais do que envolver, aprisiona o leitor.

O enredo é aparentemente simples: uma babá é contratada para cuidar de duas crianças no interior da Inglaterra. Então, ela desconfia de que há algo errado com as crianças, há algo nefasto que as cerca. O que será? Leia A Volta do Parafuso e descubra. Ou não.

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