terça-feira, 15 de janeiro de 2013



15 de janeiro de 2013 | N° 17313
FABRÍCIO CARPINEJAR

O que nos faz decidir a ficar com alguém

O que nos leva a querer passar a vida inteira com alguém é um mistério.

Você pode fazer a lista infindável do que mais gosta de sua companhia e do que menos gosta, mas nenhuma vai incluir a chave do relacionamento.

É um gesto, uma atitude, uma frase, algo que o toca em particular, que fecha com aquilo que procurava inocentemente desde pequeno.

Meu amigo Felipe se apaixonou pelo jeito que a Fernanda colava o brinco quebrado com bonder, mas ele não desconfia até hoje que foi isso.

Casou com ela depois de vê-la consertando a minúscula joia debaixo do abajur.

Ele briga, discute, discorda da esposa, porém jamais vai se separar. Essa cena despertou uma necessidade incurável da presença dela.

É o motivo do apego irascível. Existiu um quebranto, uma hipnose afetiva, talvez ele tenha se projetado no brinco (ela tentará me salvar quando me quebrar), talvez tenha se enamorado das suas concentradas mordidas de lábios.

O que posso garantir é que Felipe ficou alucinado de ternura: naquele momento decidiu que ela era a mulher de sua vida. Em seu sangue, gravou o rosto da jovem empenhada em salvar o brinco. Com o piscar das pálpebras, tirou a fotografia fundadora do seu amor, um sudário que preservará seu sentimento toda manhã.

Ele mal sabe que o real motivo de sua emoção está no plastimodelismo da infância. É bem capaz de nunca descobrir. Quando enfrentou catapora aos 10 anos, Felipe suportava sua solidão montando aviões. Grudava as pequenas peças de plástico com cuidado para não borrar a cola e estragar o encaixe. O brinco tornou-se mais um de seus aeroplanos.

Já vi gente que se uniu pelo modo de dobrar o guardanapo, pelo modo de morder uma fruta, pelo modo de gritar de susto, pelo modo de amarrar os cadarços.

Uma observação mínima acorda o inconsciente para sempre.

Quanto maior o amor, mais insignificante a origem.

Aceitaremos o cotidiano a dois sem determinar o porquê. Nossa decisão está baseada apenas na intuição. Um movimento nos ofereceu segurança para seguir em frente e aceitar o relacionamento.

Minha namorada tampouco supõe o começo de sua paixão por mim.

Inacreditavelmente, ela me ama pela forma em que tiro a camiseta. Com ambas as mãos, pelas costas, agarrando o tecido pela gola.

Ela acha o gesto protetor, viril, maiúsculo.

As mulheres se despem pela frente, de baixo para cima, levantando a blusa devagar e ritmado.

Como a maior parte dos homens, sou abrupto. Puxo a camiseta com força, livro-me dela, como um animal arrancando a pele.

Chega a ser cômico. E eu pensava que havia conquistado sua afeição com poemas.

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