31
de janeiro de 2013 | N° 17329
L. F.
VERISSIMO
Muito Tony Kushner
Lincoln
é a segunda colaboração do Steven Spielberg com o dramaturgo Tony Kushner. A
primeira foi Munich, em que o roteiro de Kushner e de um coautor incluía crises
de consciência dos agentes de Israel encarregados de vingar o massacre de
atletas judeus por palestinos na Olimpíada de Munique de 1972 e impediu que o
filme fosse apenas uma glorificação da vingança.
Kushner
é judeu, como Spielberg, mas é um conhecido crítico do sionismo e da política
de Israel em relação aos palestinos e um esquerdista ativo e combativo. Spielberg
é um dos “liberais”, no sentido anglo-saxão da palavra, de Hollywood, que votam
nos democratas, fazem filmes sobre causas nobres como a dos direitos civis de
minorias e podem ser definidos como da esquerda confortável.
A
parceria Spielberg/Kushner é insólita em outro sentido. Spielberg faz cinemão –
bom cinemão, mas cinemão – e Kushner é o mais notório autor de vanguarda do
teatro americano, com previsível desdém pelo teatro convencional e pelas
grandes produções do cinema comercial.
Uma
curiosidade: no final da primeira parte da sua peça Anjos na América (as duas
partes encenadas juntas tem mais de sete horas de duração), desce no palco um
anjo mensageiro para anunciar a vinda do novo milênio e, supõe-se, a purgação
dos pecados da América. Sua chegada, numa nuvem colorida, derrubando cenários e
acompanhado de raios e música bombástica, é espetacular. Tanto que um dos
personagens comenta:
– Muito
Steven Spielberg.
Do
filme Lincoln, pode-se dizer que é muito Tony Kushner. São espetaculares as
atuações de Daniel Day-Lewis, Tommy Lee Jones e Sally Fields, mas há pouco
espetáculo do Spielberg. Kushner concentrou-se na capacidade política de
Lincoln e no fim a abolição da escravatura é apresentada como um triunfo das
suas palavras e da sua personalidade – com um pouco de ajuda de propinas a
congressistas.
Há só
uma cena, curta, de guerra, no começo do filme. E é tão reticente a direção de
Spielberg, que não se vê nem o assassinato de Lincoln, uma cena que
presumivelmente permitiria ao diretor dar o seu show. Mas Kushner não deixou. Ficamos
sabendo da morte do presidente de ouvir dizer.
Nos
Estados Unidos discute-se se Lincoln é de esquerda ou de direita. A esquerda
reclama que o filme reforça a ideia de que a História é feita por líderes e heróis
excepcionais, a direita reclama que outras causas da Guerra Civil, como a dos
direitos estaduais diante da prepotência da União, foram mais importantes do
que a escravatura e nem são citadas. Eu acho que o filme seria melhor se o
Spielberg tivesse mais solto. Ou então se o Kushner enlouquecesse. Um anjo
mensageiro descendo no meio da bancada antiabolicionista do Congresso e
anunciando a vinda do Obama, por que não?
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