29
de janeiro de 2013 | N° 17327
PAULO
SANT’ANA
A gaita do
gaiteiro
Na
robusta edição de ontem de Zero Hora, chamou-me a atenção uma notícia
despretensiosa.
É
que foi noticiado que um dos músicos que se apresentavam na boate Kiss morreu
na tragédia. Ele era integrante do conjunto Gurizada Fandangueira.
Mas
a forma como ele morreu foi de espantosa incredulidade. Iniciado o incêndio, o
músico, como os milhares de participantes da festa, tratou de fugir. Com
sacrifício, conseguiu safar-se daquela confusão estabelecida e restou são e
salvo na calçada em frente à boate.
Uma
vez são e salvo, no entanto, o músico se deu conta de que era o gaiteiro. E
tinha simplesmente esquecido sua gaita no palco.
Pois
ele resolveu voltar à cena do incêndio, o que lhe custou muita dificuldade. Para
buscar sua gaita, seu instrumento de trabalho e diversão.
E
não retornou mais, sucumbindo no inferno de fumaça e fogo da boate.
Entre
as mais de 200 vítimas fatais da tragédia, certamente o gaiteiro foi o único
que se salvou, estava íntegro na calçada, e depois resolveu voltar para buscar
sua gaita.
Imagino
a importância da gaita na vida daquele gaiteiro, que ele foi arriscar sua vida
para buscá-la. Como se um jornalista fosse buscar seu computador ou um médico
seu estetoscópio.
Será
que na confusão reinante o gaiteiro não percebeu que sua vida era mais
importante do que a gaita? Ou será que sua vida era somente sua gaita?
Escolhi
outra história entre as centenas envolvidas na tragédia. Um rapaz, morador de
Porto Alegre, foi convidado por amigos de Santa Maria para participar no sábado
da festa na boate Kiss.
Saiu
de ônibus no sábado mesmo rumo a Santa Maria. Chegou lá pela tardinha e foi
tomar um chope com os amigos que o aguardavam para levá-lo ao evento sinistro.
Não
era universitário, não era estudante, era somente amigo dos universitários que
o carregaram para a festa, sendo que dois deles morreram também.
E o
nosso personagem morreu sufocado pela fumaça e massacrado pela multidão que
tentava sair e pisoteou-o até a morte.
É,
como tenho dito frequentemente, a força do destino.
O
destino escolheu os universitários participantes da festa para morrerem. Mas e
o nosso personagem, o que tinha a ver com isso e foi levado à morte de
cambulhada com os estudantes?
Ao
contrário do que pedi ontem pela coluna, surgiu logo após a tragédia uma onda
punitiva incontrolável, a ponto de o jornal Correio Braziliense afirmar ontem
em uma das suas manchetes que alguém vai ter de pagar por esta tragédia.
Se
alguém tiver de pagar, vai pagar, mas pagará na Justiça, depois de inquérito e
processo.
Não
é necessário que uma pequena multidão raivosa fique bradando por vindita nos
meios de comunicação, a ponto de que até um ex-criminoso estivesse a exigir
ontem rigor contra os culpados.
A
Justiça, para decidir, não necessita desses faniquitos vingativos.
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