FERREIRA
GULLAR
Com saudade e com afeto
Não
alcançava o nível das crônicas que o Rubem Braga escrevia e fizeram dele um mestre
do gênero
Conheci
Rubem Braga na revista "Manchete", em 1955, quando lá trabalhei como
redator. Aliás, ali conheci muita gente, a começar por Otto Lara Resende, seu
diretor, que me chamou para lá, onde trabalhavam Armando Nogueira, Darwin Brandão,
Borjalo e, depois, Janio de Freitas e Amilcar de Castro.
Não
por acaso, logo se tornou a melhor revista do Brasil. Rubem, como Paulo Mendes
Campos e Fernando Sabino, era colaborador, escrevia uma crônica por semana. Fui
para lá por indicação de Millôr Fernandes, meu companheiro de praia em Ipanema,
ao saber que tinha sido demitido de "O Cruzeiro".
Como
não havia vaga de redator, Otto me pôs provisoriamente como revisor, mas, para
Adolpho Bloch, dono da revista, eu não era mais do que isso. Tanto assim que,
quando Otto me passou a redator, criou-se um problema: "Ele não é redator,
Otto, é revisor!". E Otto: "Não fala besteira, Adolpho, Gullar é um
poeta, escreve muito bem".
Ele
se calou, mas não se convenceu. Acontece, porém, que Rubem Braga, por alguma
razão, não mandou a crônica da semana e Otto me pediu que a escrevesse em lugar
dele. Aí entra Adolpho na Redação: "Otto, esse Rubem é um gênio. Viu que
bela crônica escreveu nesta semana?". Armando e Borjalo logo se
aproximaram para ouvir os elogios.
E
Otto: "Quer dizer que a crônica do Rubem desta semana é uma maravilha?".
"Pode dizer a ele que adorei!"."Acontece, Adolpho -disse Otto- que
o autor dessa crônica não é Rubem Braga, é o Gullar."
Adolpho
amarelou: - Você está de gozação comigo!
- Então
pergunta ao pessoal aí.
- É verdade,
Adolpho, quem escreveu a crônica foi o Gullar -garantiu Armando.
- Vocês
estão querendo me sacanear! -alegou Adolpho, saindo da Redação, com um gesto
obsceno.
- Aqui
pra vocês, oh!
Mas
não me tornei logo amigo de Rubem Braga, que pertencia à turma do uísque e eu à
do chope. Naquela época, eu morava num quarto de pensão, no Catete, com
Oliveira Bastos e Carlinhos Oliveira, que era espírito-santense como Rubem, e
seu fã. Embora nunca tivesse grana para completar o aluguel do quarto, passava
as noites tomando uísque com ele, Tom Jobim e Fernando Sabino. Viria a ser também
um ótimo cronista.
Estive
algumas vezes na cobertura de Rubem, ali na Barão da Torre. Numa dessas vezes,
foi para encontrar com o poeta Pablo Neruda, que passava pelo Rio. Ao final do
encontro, convidei-o a assistir à peça "Dr. Getúlio, Sua Vida, Sua Glória",
do Dias Gomes e minha, no Teatro Opinião. Ele foi em companhia de Rubem, que o
ajudou no esclarecimento de certos detalhes da peça.
No
final, ele aplaudiu de pé e foi me agradecer o convite: "Agora, conheço
melhor o Brasil", exagerou ele. Pouco tempo depois, embora não mexesse com
teatro, escreveu uma peça, não sei se levado pelo entusiasmo daquela noite.
Outro
convite do Rubem foi para encontrar com Gabriel García Márquez. A conversa
estava animada, quando chegou um convidado que só me conhecia de nome.
- Você
é o poeta Ferreira Gullar?
- Às
vezes -respondi eu, para a risadaria geral. García Márquez quis saber o motivo
dos risos e eu então lhe expliquei: - Respondi "às vezes" porque meu
nome mesmo não é Ferreira Gullar, mas José de Ribamar Ferreira e, também,
porque não sou poeta 24 horas por dia. Só às vezes.
Ele
gostou da minha tirada, tanto que, pouco depois, ao falar a um jornal mexicano,
a contou, mas atribuindo-a a Jorge Luis Borges.
Quem
me informou disso foi Leon Hirszman, que também esteve na casa de Rubem naquela
noite. Estava desapontado. Entendi: a tirada era boa demais para ser atribuída
a um desconhecido.
Adolpho,
ao elogiar a crônica que escrevi com o nome do Rubem Braga, estava mais uma vez
equivocado. Era apenas interessante, não alcançava o nível das crônicas que o
Rubem escrevia e fizeram dele um mestre do gênero na imprensa brasileira.
Agora,
ao falar dele aqui, quando se comemora seu centenário de nascimento, lembro-me de
uma linda crônica sua que começa assim: "Vieram alguns amigos. Um trouxe
bebida, outros trouxeram bocas. Um trouxe cigarros, outro apenas um pulmão. Um
deitou-se na rede e outro telefonava. E Joaquina, de mão no queixo, olhando o céu,
era quem mais fazia: fazia olhos azuis".
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