08 de janeiro de 2013 |
N° 17306
CLÁUDIO MORENO
Ouro puro
Para Ana
Desde menino, quando morava numa
modesta aldeia alemã, Schliemann tinha a certeza de que iria encontrar um
tesouro. Uma lenda local falava de um antigo senhor medieval que, tendo perdido
o filho recém-nascido, enterrou-o num berço de ouro maciço – e sua fé era
tamanha nessa história que várias vezes, ouvindo o pai se queixar da falta de
dinheiro, sugeriu que ele pegasse uma pá e fosse desenterrar o bercinho nas
ruínas do velho castelo.
Fascinado pelas histórias de
Homero, prometeu a Minna, seu amor da juventude, que eles um dia casariam e
partiriam em busca das ruínas de Troia. A pobreza e a miséria, no entanto,
afastaram-no para sempre da noivinha e do pequeno povoado. O destino o jogou
daqui para ali, sempre em desvantagem, mas ele, mesmo nos piores momentos de
incerteza, mesmo às portas da miséria ou da falência, mesmo diante do
fracassado casamento com uma cidadã russa, jamais abandonou a certeza de que
Troia devia estar em algum lugar, à sua espera.
Às vezes, um relâmpago servia
para reavivar o velho sonho. Quando trabalhava como simples caixeiro num
armazém, num regime duríssimo que ia das cinco da manhã às onze da noite,
conheceu um estudante alcoolizado que, em troca de um gole de aguardente,
recitava de cor os cem primeiros versos da Ilíada, no original. Embora não
entendesse uma sílaba sequer, a melodia quase mágica do Grego antigo fez
Schliemann chorar de emoção, jurando que nunca ia desistir de aprender aquela
língua.
Com sorte e determinação, acabou
se tornando um brilhante homem de negócios. Em 1869, rico como um marajá,
resolveu que era hora de retomar sua procura. Convencido de que Troia ficava em
algum lugar no litoral da Turquia, decidiu não começar as escavações sem antes
achar uma mulher que o amasse de verdade e com ele compartilhasse suas
descobertas.
Confiante no destino, pediu a um
amigo que encontrasse, na Grécia, uma esposa “jovem o bastante para ter filhos,
amável, educada, apreciadora da arte e da literatura clássica e disposta a me
acompanhar em minhas aventuras”. Quando recebeu a foto de Sophia Engastromenos,
Schliemann, que era um bom avaliador de fisionomias, teve a certeza de que sua
busca se encerrava ali.
Depois de intensa troca de
cartas, os dois terminaram casando para a vida toda. Os deuses haviam sorrido
para ele, pois Sofia, além de bonita, meiga e inteligente, interessava-se por
tudo que ele fazia e ainda se divertia em ajudá-lo em seus arrojados projetos.
Todo o resto que ele fez, fez com ela a seu lado – e o sucesso internacional
que conquistou por ter encontrado os restos de uma possível Troia não
suplantou, em momento algum – são palavras dele a um amigo – o tesouro
incomparável de sua felicidade doméstica.
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